Equipe econômica repete promessa de revisão de gastos, mas dúvida ronda Haddad

  • Por Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli | Folhapress
  • 28 Out 2024
  • 07:22h

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após a deterioração do dólar e das taxas de juros, na esteira da piora na percepção do mercado financeiro sobre a situação fiscal do país, a equipe econômica promete avanços na agenda de revisão dos gastos para assegurar a sustentabilidade das contas públicas.

A frase acima serve para resumir as últimas semanas, mas ela também descreve eventos ocorridos em julho deste ano, quando, após dias de nervosismo no mercado, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias para fechar o Orçamento de 2025. Ou ainda em abril, quando o Ministério da Fazenda encampou publicamente a agenda de contenção de despesas dias após a má repercussão da flexibilização das metas fiscais a partir do ano que vem.

Mais uma vez sob pressão, a equipe econômica volta a falar em medidas para economizar recursos e manter de pé o arcabouço fiscal, a serem apresentadas nesta semana, após o segundo turno das eleições municipais.

A Fazenda acena nos bastidores com um pacote de impacto para afastar a crise de credibilidade, já admitida publicamente por auxiliares do ministro Fernando Haddad (Fazenda). Já a ministra Simone Tebet (Planejamento) disse que uma das medidas pode, sozinha, poupar R$ 20 bilhões.

Chegaram a circular números maiores, de R$ 50 bilhões, segundo técnicos da própria área econômica, especulações.

Os agentes do mercado financeiro, por sua vez, tratam os próximos dias como a "semana D", decisiva para conferir se a equipe econômica "vendeu terreno na Lua" sem o aval de Lula.

O retrospecto recente alimenta a descrença sobre o apoio político a tais medidas, tanto dentro do governo como no Congresso.

Após Lula enfileirar declarações em defesa dos gastos mínimos em Saúde e Educação (considerados investimentos pelo presidente), da valorização do salário mínimo e das vinculações de benefícios sociais, a Secom (Secretaria de Comunicação) divulgou na quarta-feira (23) uma nota chamando de "fake news" as discussões sobre mudanças no seguro-desemprego.

Até então, a medida era uma das principais apostas da equipe econômica. Agora, a avaliação é de que a nota jogou um banho de água fria nos debates.

 

O próprio engajamento tardio da Fazenda nessa agenda, antes empurrada para o Planejamento, é lembrado pelos economistas. Levantamento feito pela Folha dos quase dois anos de governo aponta que o time de Haddad só passou a ser mais atuante nesta frente em meados do primeiro semestre de 2024, mas até agora sem resultados de maior impacto.

Questionada sobre as desconfianças com a agenda de revisão de gastos, a Secom disse que não comentaria "injunções e questões genéricas, não identificadas ou especificadas". O Planejamento afirmou que não faria comentários. A Fazenda não respondeu.

O economista Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, vê na polarização política uma possível explicação para a condução mais frouxa da política fiscal, mesmo em comparação aos governos Lula 1 e 2. Segundo ele, outros países, como os Estados Unidos, estão passando por quadro semelhante de elevação da dívida em meio à polarização política.

"Há um viés incessante de ampliar gasto. A popularidade não sobe. Isso estimula sempre a encontrar alguma maneira de fazer mais um gasto aqui, uma desoneração ali", afirma o economista, ressaltando que as flexibilizações têm tido apoio do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal).

"Eu posso estar errado, e prefiro estar errado, porque isso não joga a favor de melhora ao longo dos próximos dois anos. Pelo contrário, se está tendo essa dinâmica perversa nos dois primeiros anos do mandato, fica difícil imaginar que melhore nos dois últimos, quando já tem uma política fiscal mais expansionista."

Kawall destaca que os movimentos de liberalização dos gastos começaram nas PECs (propostas de emenda à Constituição) aprovadas em 2021 e 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), continuaram na PEC de transição de governo, negociada por aliados de Lula e que abriu um espaço extra de R$ 168 bilhões de 2023 em diante, e se mantêm até hoje com o uso de fundos para turbinar a concessão de crédito via bancos públicos sem esbarrar em regras fiscais.

Em sua visão, não existe até agora uma estratégia organizada do governo para enfrentar a dinâmica de deterioração da percepção fiscal. "É um pouco a ideia de que vai empurrando com a barriga. Agora falam que é inadiável fazer [a revisão de gastos] em 2025. Mas isso também era dito sobre o Orçamento de 2024."

O economista Nilson Teixeira, sócio da Macro&Art Consulting, diz ser cético sobre um ajuste fiscal, pois a vontade política no governo e no Legislativo por medidas de maior ressonância é baixa. Ainda assim, ele não enxerga uma crise de credibilidade, pois isso passaria por outros temas que não a questão fiscal.

Em sua avaliação, Haddad pode até anunciar um pacote considerado razoável pelos participantes do mercado, mas há dúvidas se haveria efetivo empenho para sua aprovação no Congresso. Nesse caso, o governo poderia responsabilizar os parlamentares no caso de uma eventual crise.

"O cenário mais provável é de que algumas medidas sejam descartadas de imediato pelo presidente, até por conta da percepção entre muitos membros do governo de que investimentos não são despesas e de que parte relevante dos gastos alavanca a expansão da atividade a ponto de elevar o crescimento potencial", diz Teixeira.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que há uma "certa inconsistência" na atuação tanto do governo quanto do Congresso, diante da facilidade de aprovar aumentos de despesas recorrentes e das dificuldades para avançar em medidas que financiem estas políticas.

"Todo mundo quer gastar, mas ninguém quer pagar a conta. No fundo é isso", diz. Ela alerta, porém, que os efeitos inicialmente positivos da expansão fiscal trazem consigo os efeitos colaterais percebidos nas últimas semanas.

"Agora está esse conflito. O efeito colateral está vindo, diante dessa incapacidade de ter pelo menos alguma perspectiva de superávit", afirma. Para ela, o governo precisará em breve apresentar iniciativas de "contenção de danos".


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