Amil é condenada a indenizar paciente por negar lente após cirurgia de catarata; advogado orienta sobre direito e saúde

  • Por Rebeca Menezes / Camila São José I Bahia Notícias
  • 16 Mar 2024
  • 14:01h

Foto: Thiago Tolentino / Bahia Notícias

“Quase metade das demandas judiciais aqui do estado são relacionadas às operadoras de saúde, seja negativa de procedimento de exame, medicamento, questões relacionadas à revisão do valor da mensalidade, reajustes abusivos”. É o que diz o advogado especialista em Direito do Consumidor, Michel Torres, que indica estudo recente apontando que cerca de 40% das ações judiciais em tramitação nos juizados de defesa do consumidor na Bahia são ligadas aos planos de saúde. 

 

Entre esses processos está o da idosa R.F., que após realizar cirurgia de catarata precisou ingressar na Justiça para conseguir lente apropriada, recomendada por receita médica, para uso no pós-cirúrgico. 

 

Conforme Torres, a paciente já possuía um histórico grave em relação à catarata e, ao negar a lente, a Amil indicou que seria um material de alto custo e que outra similar, genérica, poderia ser utilizada. “Contrariando um relatório médico, de uma equipe que já vem acompanhando ela há muito tempo”, destaca o advogado. 

Antes, no entanto, de acionar judicialmente, a idosa tentou por 20 dias solucionar o problema administrativamente junto à clínica que cederia o material e a operadora de saúde. “A gente judicializou, uma semana depois a gente conseguiu a liminar e em duas semanas a operadora conseguiu cumprir a determinação. Formalizamos um acordo para pagamento no valor de R$ 7.500 a título de indenização por dano moral”, detalha. 

 

Apesar da rapidez na resolutividade, Michel Torres aponta, durante entrevista ao Bahia Notícias, que cada vez mais os planos de saúde têm imposto dificuldades para a concessão de medicamentos e realização de cirurgias e exames, por exemplo. 

 

O advogado atribui o fato aos baixos valores sentenciados a título de indenização por dano moral. “Aqui na Bahia essa conduta é mais praticada ainda, porque as indenizações a título de dano moral costumam ser valores ínfimos. O que estimula as operadoras de saúde a terem esse comportamento de dificultar realmente. Se as indenizações fossem praticadas em valores similares ao que vem sendo adotado, por exemplo, em São Paulo, Rio Grande do Sul, as condenações chegam lá a R$ 15 mil, R$ 20 mil e aqui na Bahia, os juízes costumam condenar R$ 3 mil, R$ 5 mil, isso fomenta essa prática”.  

 

Mesmo com esse desequilíbrio na balança, Torres destaca que as decisões liminares relacionadas à demandas de saúde vêm sendo analisadas com uma maior celeridade no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). “Isso é inegável, incontestável. A gente reconhece isso, o tribunal vem se empenhando nesse sentido, inclusive, criaram recentemente um núcleo de assessoria para auxiliar os magistrados em determinadas ações de maior complexidade, onde os valores da cirurgia são maiores”, ressalta. 

 

Outros pontos, porém, esbarram no volume de demandas excessivas de judicialização contra as operadoras de saúde, como aponta o especialista. O que é um verdadeiro risco nos casos de “vida ou morte”. “Alguns magistrados não têm esse tempo hábil de analisar, decidir; tem a questão burocrática também de intimar, o oficial de justiça ir lá, e nesse tempo, muitas vezes, os clientes acabam sendo prejudicados com a própria vida”.

 

COMO BUSCAR SEU DIREITO

Quando houver uma negativa do plano de saúde, a orientação do advogado Michel Torres é para que os pacientes busquem informações nos contratos, nas leis vigentes, mas, sobretudo, procurar alguém que entenda do assunto. 

 

“O que eu recomendo e oriento é sempre buscar um especialista, um advogado que tenha domínio na causa, para que possa orientar da melhor forma possível, a quem ele deve procurar: se a Agência Nacional de Saúde, se a própria operadora ou a Justiça de defesa do consumidor”.

 

PORTABILIDADE

Nos casos de portabilidade do plano de saúde, o especialista faz um alerta para aqueles pacientes que possuem doenças pré-existentes e necessitam de tratamento específico. 

 

Conforme Michel Torres, nestes casos a cláusula contratual que exige um ano de cumprimento de carência para ter acesso aos tratamentos pode ser abusiva. “Se ele fizer a portabilidade, não deixar o contrato vigente que ele está coberto por uma determinada operadora de saúde, se ele fizer a portabilidade, com o plano ativo ainda, essa carência é abusiva. Ela tem que ser migrada de um plano para outro sem essa carência, independente. Essa prática de preencher formulário informando doenças pré-existentes em relação a uma portabilidade, você saindo de um plano para outro, é uma prática abusiva, e vem sendo combatida com firmeza também pela Justiça, pelo menos aqui da Bahia”.

 

MENSALIDADE

No debate sobre o direito e saúde, Michel Torres ainda faz uma crítica ao reajuste autorizado pela Agência Nacional de Saúde (ANS) em 2024, que deve ter média de 8% a 9% nos planos individuais e familiares. 

 

“A Agência Nacional de Saúde permitiu um dos maiores índices percentuais de reajustes, que nesse ano assim, em um período pós-pandemia, muitas pessoas desempregadas, ainda se recuperando financeiramente desse período que foi atípico, algo que a gente nunca tinha vivenciado aqui, eu achei muito equivocado da parte da agência reguladora ter permitido um reajuste tão agressivo”.

 

Especialistas do mercado apontam média de 25% de reajuste nos planos de saúde empresariais e de 30% nos contratos coletivos por adesão.

 

LEI DO ROL

Em setembro de 2022, o governo federal sancionou a Lei 14.454, conhecida como a Lei do Rol da ANS. Desde então, a norma, que altera a Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), determina a obrigatoriedade às operadoras de saúde na cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (Reps) da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). 

 

Sendo assim, a lei estabelece que o Reps sirva somente como referência básica para os planos privados de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999.

 

Porém, para que os tratamentos fora dessa lista sejam aceitos, é preciso que cumpram algumas condições: ter eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ter recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou ter recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional.

 

Na avaliação do advogado Michel Torres, a Lei do Rol não foi responsável por aumentar a judicialização dos casos de saúde. 

 

“Estudos realizados pelo próprio Conselho Nacional de Justiça constataram que a promulgação da Lei do Rol de procedimentos pela ANS de hipótese alguma aumentou essa questão da demanda, muito pelo contrário”, afirma.

 

“A gente tem um parâmetro agora, uma lei que regulamenta, estabelece procedimentos específicos que devem ser obrigatoriamente cobertos pelas operadoras de saúde e isso foi uma vitória, uma conquista, porque antes não tinha uma legislação específica onde estabelecia as cirurgias, os procedimentos que deveriam obrigatoriamente serem feitos. Então, fica uma segurança jurídica tanto para as operadoras de saúde quanto para os consumidores”, frisa Torres. 


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