Venezuela x Guiana: Floresta Amazônica e fronteiras do Brasil podem ser afetadas em caso de guerra, diz especialista; entenda

  • Por Thiago Teixeira/Bahia Notícias
  • 13 Dez 2023
  • 09:20h

Foto: Reprodução / Agência Brasil

Uma extensão de quase 800 km é a dimensão da fronteira brasileira com a região de Essequibo que pode ser afetada caso o líder venezuelano, Nicolás Maduro, resolva iniciar uma incursão militar contra a província localizada em Guiana. Além disso, uma outra fronteira do Brasil, dessa vez com a própria Venezuela, que fica no estado de Roraima, também pode sofrer, já que, logisticamente, ela é a melhor opção para o exército de Maduro atravessar e ter a possibilidade de atacar Essequibo por terra.

O conflito armado entre os países também iria gerar um aumento do fluxo migratório de refugiados venezuelanos, em Roraima, e pessoas oriundas da Guiana, também em Roraima ou no Pará, que estariam fugindo da guerra. Essa é a avaliação do Doutor em Geografia Humana e pesquisador em geopolítica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Antônio Lobo. Ao Bahia Notícias, o especialista pontuou que um conflito territorial dessa magnitude acontecendo no coração da Floresta Amazônica, por si só, já afeta o bioma e chama a atenção do mundo, uma vez que a disputa inclui uma região que é de grande interesse mundial.

“O Brasil, quer queira quer não está inserido nesse processo [de disputa], por ter fronteira com a Venezuela e ter 790 km de fronteira com a região que está em disputa: Essequibo. Uma incursão militar da Venezuela para uma tentativa de tomada da província de Essequibo afetaria o território brasileiro também, porque uma das áreas de acesso que a Venezuela teria para deslocar tropas seria pelo território brasileiro através de Roraima”, destacou Antônio Lobo, explicando que, diretamente pelo território venezuelano, a floresta é densa, montanhosa e de difícil acesso. Logo, o melhor caminho para o deslocamento de tropas seria pelo Brasil.

O detalhe é que esse trajeto passaria por diversas terras indígenas, a exemplo da Reserva Raposa Serra do Sol, situada no nordeste do estado de Roraima, entre os municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, entre os rios Tacutu, Maú, Surumu, Miang e que faz fronteira com a Venezuela.

Regiões do Brasil que fazem fronteira com Venezuela e Essequibo | Arte: Priscila Melo / Fonte: IBGE

 

POSTURA DO BRASIL EM MEIO AO CONFLITO

Como de costume, o Brasil vem adotando uma postura pacifista que segue de acordo com a que o país exerce tradicionalmente quando o assunto é diplomacia internacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a oferecer o Brasil para sediar reuniões para mediar o conflito entre a Venezuela e a Guiana, na fronteira entre os dois países. O governo brasileiro considera improvável que Caracas invada Essequibo, mas existe uma preocupação que os Estados Unidos, aliados da Guiana, utilizem a crise como subterfúgio para instalar bases militares no território disputado, que integra a Floresta Amazônica e faz fronteira com o norte do Brasil.

Sobre a possibilidade de invasão por terras brasileiras, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse que não vai permitir "em hipótese nenhuma" que a Venezuela invada a Guiana passando pelo Brasil. Durante um almoço com jornalistas promovido pela Marinha, nesta segunda-feira (11), Múcio disse que a missão das Forças Armadas é defender o território brasileiro e classificou as ameaças feitas por Maduro como uma “insensatez” e uma “manobra política”. Com portas fechadas por terra, o governo brasileiro acredita na possibilidade da Venezuela concentrar seus esforços pelo mar numa possível investida contra Guiana.

Assim como o ministro da Defesa, Antônio Lobo também vê as movimentações de Maduro como uma estratégia. O especialista explicou que a Venezuela se tornou uma autocracia, forma de governo autoritária em que o poder é concentrado nas mãos de um indivíduo, e que a ideia de anexar Essequibo é uma estratégia de fortalecimento político interno.

“Essa autocracia quer se manter no poder. É muito comum, em governos ditatoriais ou autocratas, arrumar um inimigo externo ou estimular disputas territoriais que estavam adormecidas. Isso é feito, na maioria das vezes, como estratégia de fortalecimento político interno através de uma espécie de coesão popular em torno daquela causa. Isso já aconteceu na Argentina, na década de 80, quando reivindicou mais fortemente as ilhas Malvinas, que são consideradas território inglês. Então, ‘requentar’ essa disputa por Essequibo, cai muito nesse crivo político de fortalecimento interno do governo autocrata do Nicolas Maduro”, explicou o especialista.

VOTAÇÃO PARA ANEXAR ESSEQUIBO À VENEZUELA

No dia 3 de dezembro, a Venezuela realizou uma votação para incorporar oficialmente Essequibo ao mapa do país. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo, dos quais 95,93% aceitaram conceder cidadania e documento de identidade aos mais de 120 mil guianenses que vivem no território.

A Corte Internacional de Haia decidiu que o governo venezuelano não pode tentar anexar Essequibo. Caracas, no entanto, já afirmou que não reconhece a autoridade da Corte. Com isso, na prática, permanece tudo igual, uma vez que Haia possui apenas autoridade diplomática. Na opinião do doutor em Geografia Humana, apesar da votação, a possibilidade real de guerra passa muito pelo fortalecimento do governo Maduro.

“Eu acho que se Nicolás Maduro conseguir o seu objetivo de se fortalecer internamente, essa disputa pode esfriar um pouco e passar a funcionar no campo da conversa e da diplomacia. Mas se a situação política interna começar a ficar mais complicada para que essa autocracia possa se manter, eu acredito que o Maduro possa, juntamente com os militares, tomar medidas mais efetivas e, até mesmo, [ocorrer] uma mobilização de tropas e uma possível ocupação territorial da área de Essequibo”, afirmou Antônio Lobo.

POR QUE O INTERESSE DA VENEZUELA EM ESSEQUIBO?

Com aproximadamente 160 mil km², pouco maior que o Estado do Ceará, Essequibo representa 70% do território guianês. É uma região rica em minerais como ouro, cobre, diamantes e, recentemente, lá também foram descobertos enormes depósitos de petróleo e outros hidrocarbonetos. A Venezuela reivindica Essequibo há mais de 100 anos como parte de seu território.

 

Em 1811, a Venezuela se tornou independente, e a região de Essequibo passou a fazer parte do país. Só que três anos depois o Reino Unido comprou a então Guiana Inglesa por meio de um tratado com a Holanda. O problema é que o tratado de compra não definiu exatamente qual seria a linha de fronteira do país com a Venezuela. Por isso, em 1840, o Reino Unido nomeou o explorador Robert Shomburgk para definir essa fronteira, e uma linha, chamada Linha Schomburgk, foi estabelecida. Com ela, a então Guiana Inglesa passou a ter 80 mil quilômetros quadrados adicionais em relação ao território inicialmente adquirido da Holanda.

Em 1841, começou oficialmente a disputa pelo Essequibo com denúncias sobre uma incursão indevida do Reino Unido no território. Em 1886, uma nova versão da Linha Schomburgk foi traçada, incorporando uma nova porção de território à Guiana Inglesa. Na visão de Antônio Lobo, a alegação da Venezuela acerca da posse da região de Essequibo é correta.

“A disputa da Venezuela é antiga e remonta a meados do século XIX. Os holandeses num primeiro momento, depois os britânicos avançaram e passaram a ocupar e tomar posse de toda a área que está a Oeste do Rio Essequibo. A Venezuela alega, de forma correta, que toda essa região de Essequibo pertencia à antiga capitania da Venezuela, que por sua vez pertencia aos espanhóis”, destacou o especialista explicando, outro motivo que justifica o interesse de Caracas é, o aumento de popularidade e aprovação devida à proximidade das eleições venezuelanas.

Além disso, Antônio Lobo que a riqueza de minerais, petróleo e outros hidrocarbonetos em Essequibo, é outro fator que voltou a despertar o interesse da Venezuela no território. Ele destacou que, em 2015, a ExxonMobil, empresa multinacional de petróleo e gás dos Estados Unidos, descobriu jazidas de petróleo e gás na região da Guiana e começou a explorar, fazendo a economia do país disparar no ano passado. A reserva de petróleo está a 183 km da zona costeira de Essequibo e ficou conhecida como bloco Stabroek. 

“Para se ter uma ideia, o PIB da Guiana foi o que mais cresceu no ano de 2022, mais de 60%. Foi o que mais cresceu no mundo devido ao processo de exploração de petróleo, sobretudo, mas também de minerais como ouro e diamante, por exemplo, na na Guiana e principalmente nessa região de Essequibo”, pontuou Antônio Lobo destacando que a descoberta de grandes jazidas de petróleo e de minerais, a exemplo de ouro e diamante nessa região, também acabou despertando o interesse maior do Estado venezuelano em retomar Essequibo, requentando assim, toda a disputa territorial que já tem mais de 100 anos.

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