Brasil tem ao menos 4 processos por dia por registro e divulgação de imagens íntimas sem consentimento

  • g1
  • 06 Fev 2023
  • 07:14h

Foto: Fernando Madeira/ A Gazeta

O Brasil registrou ao menos 5.271 processos judiciais envolvendo o registro e a divulgação de imagens íntimas sem consentimento. Eles foram abertos entre janeiro de 2019 e julho de 2022.

A média é de 4 registros por dia, sendo que o estado com o maior número de casos é em Minas Gerais (18,8%), seguido de Mato Grosso (10,93%) e Rio Grande do Sul (10,17%).

É o que aponta um levantamento do g1 feito a partir de informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da consulta aos Tribunais de Justiça dos estados.

São processos que se baseiam em duas leis criadas em 2018:

 

  • lei Rose Leonel (13.772/18), considera crime o "registro não autorizado da intimidade sexual"; punição é seis meses a 1 ano de detenção;
  • lei 13.718/18: criminaliza a "divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, sexo ou pornografia sem consentimento", inclusive o compartilhamento; a pena varia de 1 a 5 anos de reclusão.

 

Especialistas dizem que não se sabe o tamanho do problema no Brasil. Muitos dados ainda são desconhecidos: o CNJ não tem informações do Rio de Janeiro e outros 5 estados em relação aos processos que envolvem uma das leis, por exemplo. O g1 procurou os TJs desses estados e também não obteve os dados (leia mais ao fim da reportagem).

Outros fatores que contribuem para o "apagão", segundo especialistas, são o medo das vítimas de denunciar e o fato de que práticas como divulgar nudes e cenas de sexo sem consentimento só receberam legislação específica no Código Penal em dezembro de 2018.

Culpa, medo e pouca informação

 

Boletins de ocorrência registrados no Rio de Janeiro entre 2019 e 2022, relacionados ao registro de imagens íntimas sem autorização, citam que, de 194 vítimas, 67% delas eram próximas dos agressores.

A lei 13.718/18, que criminaliza a divulgação dessas imagens, prevê agravamento da pena de 1 a 5 anos de prisão se o autor mantém ou manteve relação íntima de afeto com a vítima ou se o ato for por vingança ou humilhação. É o que acontece na chamada "pornografia de vingança".

Mulheres são a maioria dos alvos. Em São Paulo, por exemplo, elas foram 87% das vítimas citadas em boletins de ocorrência no estado envolvendo o registro de imagens íntimas sem autorização.

Mas, segundo especialistas, esses casos raramente chegam à Justiça por conta do constrangimento e do risco que a denúncia traz para a mulher, dizem os entrevistados.

 

“As vítimas que passam pela pornografia de vingança acreditam que colaboraram para que aquilo pudesse acontecer. A mulher vem acompanhada da culpa”, explica a advogada Mariana Tripode, que é especialista em direitos das mulheres.

 

Além disso, existe uma dificuldade da percepção de quem é alvo dessa prática: “Muitas vezes, ela também nem está informada ou tem consciência de que aquilo é um crime”, afirma a advogada Juliana Cunha.

A subnotificação dos casos contribui para que a sociedade desconheça o tamanho do problema e aja para solucioná-lo, aponta a especialista.

 

“Isso não é uma questão de ativistas ou de grupos ou de feministas. Isso é um problema real que atinge muitas pessoas, mas que, por não ter tantos dados robustos, acaba dificultando que as pessoas entendam”, afirma Juliana.

 

O g1 entrevistou vítimas desses atos, entre elas a jornalista Rose Leonel, que inspirou a lei que leva seu nome. Após o fim do relacionamento, o ex-namorado dela se vingou com a divulgação de diversas imagens íntimas. Ela perdeu o emprego e teve de se separar do filho, ridicularizado pelo vazamento.

O tema acabou sendo mais conhecido após alguns casos, como o de Rose, virem a público. Inclusive alguns em que, desesperadas, as vítimas cometeram suicídio.

Foi o que aconteceu com Júlia Rebeca, de 17 anos, encontrada morta em seu quarto após ter um vídeo íntimo compartilhado na internet no Piauí, em 2013.


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