Para Thaise, somente a ideia de ficar distante do aparelho, mesmo que esteja com ele nas mãos, é assustadora. A jovem não desgruda do smartphone nem para tomar banho. — Eu estabeleci que ficaria até uma e meia da madrugada acordada com o celular, porque estava prejudicando meu sono e eu chegava muito cansada na escola. Só que não consigo cumprir com a promessa. Ontem fiquei até as 3h acordada com ele. E quando o assunto é jantar em família, a cena se repete: menina não larga o aparelho durante as refeições. — Logo pode ser o caso de levar ela em um psicólogo, já que ela nem conversa mais direito com a gente de tanto que fica no aparelho. E com as amigas dela é igual. Elas ficam bitoladas — desabafa a mãe de Thaise, a técnica de enfermagem Patrícia Souza.
Convergência tecnológica
O fenômeno da nomofobia foi apontado em pesquisa realizada em 2012 na França. O estudo mostrou que 34% dos jovens de 15 a 19 anos por lá achavam "impossível" ficar mais de um dia sem celular. Quando os números se referem ao Brasil, a situação não parece ser muito diferente. Atualmente, há mais de 276 milhões de aparelhos celulares com linhas ativas no país, o que ultrapassa em mais de 70 milhões o número de brasileiros. E a quantidade de usuários com um comportamento abusivo supera os 20%, garante o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, autor do livro Vivendo Esse Mundo Digital e coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas de São Paulo:
— O celular é entendido como um elemento de contato social, de recreação e de trabalho. Dentro dele acaba existindo uma perspectiva de uso descontrolado ainda maior que na internet, já que é portátil, ou seja, pode ser levado para qualquer lugar. Ele é, além de tudo, um vetor de outras adições, como o uso compulsivo de jogos de internet. É pela variedade de usos que a dependência não mede idade, raça, classe social nem nacionalidade. Para o psiquiatra Vitor Breda, membro do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat) de Porto Alegre, não é possível traçar um perfil único de quem apresenta problemas relacionados à dependência — um indivíduo que utiliza redes sociais de forma excessiva pode ser bastante diferente daquele que pratica jogos online.
Dependência causa prejuízos físicos e mentais
Como grande parte das dependências já descritas, a digital não é facilmente reconhecida, e muito menos quando o assunto é a nomofobia. Afinal, hoje em dia é cada vez mais comum encontrarmos pessoas caminhando na rua, jantando com seus parceiros, em um encontro com amigos, dirigindo e até na sala de cinema... vidradas na tela do smartphone. Se você se identificou com as situações acima, calma! Não necessariamente será enquadrado como um dependente (ainda que tais comportamentos estejam longe de um padrão adequado de comportamento). — O que podemos considerar como adição é quando determinado uso gera prejuízo, como escolar, acadêmico, social. Ou até prejuízos mais físicos, como alteração no sono — explica a psicóloga Aline Restano, membro do Geat e especialista em Psicoterapia da Infância e Adolescência. Entre os sintomas físicos que sinalizam que uma pessoa passou dos limites estão a dificuldade de dormir pela ansiedade de usar os aparelhos e o "toque fantasma" — quando a pessoa acredita ouvir o telefone tocar, mesmo que esteja sem ele. Conforme o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, a angústia relatada por quem fica longe dos aparelhos celulares levou pesquisadores a compararem a nomofobia aos sintomas de abstinência de outras dependências comportamentais: — Quando você repete determinado comportamento, como, por exemplo, o jogo compulsivo, depois de poucos minutos ocorre a liberação de dopamina (conhecida como "hormônio do prazer"), que faz com que a motivação seja aumentada, renovada, criando assim um círculo vicioso. No caso do smartphone, este comportamento leva a pessoa à necessidade de ficar cada vez mais conectada, em contato com o aparelho. E as consequências podem ser sentidas no organismo. Nabuco destaca uma pesquisa realizada na Coreia do Sul, que comparou os efeitos no cérebro de usuários pesados de internet com o de dependentes de álcool e outras drogas. Em todos os casos analisados houve desgaste significativo na bainha de mielina (uma substância branca que envolve o neurônio e aumenta a velocidade de condução do impulso nervoso). Esta já era uma consequência neuroquímica conhecida do consumo abusivo de drogas, mas ainda não havia sido relatada em dependentes digitais. Países como Coreia do Sul, China e Japão já estão tratando a dependência tecnológica como questão de saúde pública. Por lá, há proibição de aparelhos em escolas, estímulo ao convívio social e à prática de esportes ao ar livre além de acompanhamento psicoterápico. Medidas aparentemente simples, mas que podem fazer a diferença para quem não consegue mais desgrudar os olhos da telinha.
Se ligue nos sinais de dependência
— Ansiedade e irritabilidade quando está longe do aparelho.
— Necessidade de aumentar o tempo gasto com o smartphone.
— Tentativas fracassadas de permanecer longe do dispositivo.
— Perda de interesse em outras atividades.
— Prejuízo acadêmico, social ou de saúde.
Não vive longe do celular? Talvez seja a hora de procurar ajuda
— O tratamento baseia-se principalmente em psicoterapia.
— O uso de medicamentos pode ser indicado quando a dependência está associada a outros transtornos psiquiátricos (como depressão e ansiedade, por exemplo).
Dicas práticas para evitar o uso exagerado dos smartphones
— Procurar atividades que estimulem convívio social e a saúde, como a prática de esportes.
— Evitar o uso de dispositivos em atividades em que é possível priorizar o convívio com familiares, como encontros e festas.
— Prestar atenção ao surgimento de problemas relacionados ao uso de tecnologias como brigas, isolamento social, desempenho acadêmico abaixo do usual, sintomas de tristeza e ansiedade.
— Perceber que é possível tolerar sentimentos "negativos" (frustração, inveja, solidão) sem necessariamente recorrer ao telefone.