Paulo Freire, o patrono da educação eleito como inimigo pelo bolsonarismo

  • Mari Leal
  • 18 Set 2021
  • 15:14h

(Foto: UOL)

Um indivíduo reflexivo, consciente, agente da própria vida e das experiências coletiva e social. São esses alguns ensinamentos disseminados no legado do intelectual e educador brasileiro, Paulo Reglus Neves Freire, que em 19 de setembro de 2021, se vivo estivesse, completaria 100 anos. Reconhecido pelo método de alfabetização desenvolvido na década de 1960, Freire espalhou sua pedagogia crítica pelo mundo. No Brasil, no entanto, durante o regime militar, foi perseguido, preso e exilado por 15 anos.  

Em 2015, quando ganhou força no país a proposta de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), movimento que, na base, reuniu ideias e justificativas diversificadas - de insatisfações com a agenda governista, passando pelo antipetismo e até mesmo pela defesa de uma nova intervenção militar - o ódio e a perseguição contra Freire e seu legado se intensificou. 

Em 2018, com a ascensão da extrema direita ao poder federal, avalizada pela eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o discurso enviesado em relação ao educador o converteu em inimigo público do Brasil e responsável pelas mazelas educacionais no país. Foi transformado em um dos principais focos de ataques do próprio presidente da República e de seus seguidores.

Para Gabriella Pitta, mestranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e membro do Grupo de Estudo Paulo Freire, criado em 2018 por professoras e estudantes, para compreender a relação do bolsonarismo com a figura de Paulo Freire é essencial o olhar sobre a História do Brasil. 

“Voltar ao passado para entender algumas coisas. O bolsonarismo não nasce agora. Está ligado à defesa pelo regime militar, que fez Paulo Freire ser exilado, que colocou Paulo Freire no lugar de perigo, de ameaça, de ser subversivo. Ele [Paulo Freire] faz a gente acreditar que temos condições de reverter a situação econômica do país e outras situações de opressão. Diz sobre como se articular politicamente, já que tudo é política. Diz sobre a inexistência de uma educação neutra”, avalia.  

Ela acrescenta que, a partir de Freire, o “educar” pode favorecer o reconhecimento, a compreensão e a transformação, por exemplo, de um estado de subalternidade. Logo, fica transparente ao indivíduo social os seus direitos e valores, assim como a sua potência e capacidade de “mexer com privilégios“, concepções que colocam o intelectual centenário em lados opostos às ideologias caras para o presidente e seus seguidores.

“A questão bolsonarista não é só mexer com privilégio, é mais radical. A falta de diálogo leva a ignorância. Você nem saber o que Paulo Freire escreveu e já diz que ele é um doutrinador do comunismo, sem sequer saber o que é comunismo. O bolsonarismo ter a ver com esse obscurantismo de não investigar as coisas, de desprezar a pesquisa”, reflete Gabriella.

DECISÃO JUDICIAL 

Nesta quinta-feira (17), a Justiça do Rio de Janeiro proibiu o governo federal de tomar qualquer atitude que atente contra a dignidade de Paulo Freire. A ação foi ajuizada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos e a decisão liminar prevê que a União pague uma multa de R$ 50 mil por dia caso descumpra a medida.

Na decisão, a juíza Geraldine Pinto Vital aponta para a possibilidade de dano se o governo não respeitar o educador como patrono da educação brasileira, título que recebeu em 2012, durante a gestão de Dilma Rousseff (reveja aqui).

BIOGRAFIA 

Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, capital do Pernambuco. Filho de Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar, e de Edeltrudes Neves Freire, Freire morou em sua cidade natal até 1931, partindo em seguida para o município vizinho, Jaboatão dos Guararapes, onde permaneceu durante dez anos.

Aos 13 anos de vida,  perdeu o seu pai e coube a sua mãe a responsabilidade de cuidar e sustentar os quatro filhos do casal. Sem condições de continuar pagando a escola, a matriarca pediu ajuda ao diretor do Colégio Oswaldo Cruz. A Freire foi concedida matrícula gratuita. Foi também elevado a auxiliar de disciplina e posteriormente em professor de língua portuguesa. Em 1943, ingressou na Faculdade de Direito do Recife.

Depois de formado, continuou atuando como professor de português no Colégio Oswaldo Cruz e de Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco. Em 1947, foi nomeado diretor do setor de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria. Em 1955, junto com outros educadores, fundou, em Recife, o Instituto Capibaribe, uma escola inovadora que atraiu muitos intelectuais da época. Em 1968 foi lançada a obra Pedagogia do Oprimido, produção intelectual que consagra Freire. 

Preocupado com o grande número de adultos analfabetos na área rural dos estados nordestinos, Freire desenvolveu um método de alfabetização. Sua proposta de ensino estava baseada no vocabulário do cotidiano e da realidade dos alunos. As palavras eram discutidas e colocadas no contexto social do indivíduo. Os alunos também eram levados a pensar nas questões sociais relacionadas ao seu trabalho.