Nova política de saúde mental é alvo de críticas; entenda 4 pontos e veja opiniões contra e a favor

  • 13 Fev 2019
  • 09:05h

Foto: Arquivo/Centro Cultural do Ministério da Saúde

O governo federal prepara um documento que coloca em prática uma nova política de atendimento à saúde mental no Brasil. Entre outros pontos, prevê a internação em hospitais psiquiátricos e o financiamento para compra de máquina de eletrochoques. Baseada em portarias e resoluções publicadas entre outubro de 2017 e agosto de 2018, a "nota técnica" chegou a ser divulgada no site do Ministério da Saúde na segunda-feira (4). Entretanto, criticado por especialistas, o texto foi retirado do ar dois dias depois. O ministério afirmou ao G1, nesta terça-feira (12), que o texto ainda não está pronto. Segundo a pasta, a "nota técnica" está em consulta interna no SEI (Sistema Eletrônico de Informações) para receber contribuições de servidores do ministério e de outros órgãos, como o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde). Depois de chegar à versão final, o documento ainda precisa ser aprovado pela diretoria da área e pela secretaria. Não há uma data prevista para conclusão e implementação. Os principais itens em consulta interna no ministério são:

  • Inclusão dos hospitais psiquiátricos nas Redes de Atenção Psicossocial (Raps);
  • Financiamento para compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia, mais conhecidos como eletrochoque;
  • Possibilidade de internação de crianças e adolescentes;
  • Abstinência como uma das opções da política de atenção às drogas.

Antes da lei de 2001, era comum que pessoas com transtornos mentais fossem internadas indefinidamente em hospitais psiquiátricos que funcionavam como asilos, onde sofriam maus-tratos — como mostrado, por exemplo, no livro "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, que conta a história dos tratamentos infligidos aos pacientes do Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais. Com o movimento da reforma psiquiátrica, iniciado nos anos 70 e fortalecido com a instituição do SUS, em 1988, a inclinação passou a ser para um "modelo substitutivo", no qual os pacientes fossem atendidos fora dos hospitais, com destaque para o convívio social e o fechamento de leitos psiquiátricos. É nesse contexto de substituir os antigos manicômios que surge o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em 1986. O Caps é uma unidade de atendimento do SUS voltada à saúde mental, com profissionais de diversas especialidades, onde pacientes com transtornos psiquiátricos ou problemas causados por álcool e drogas podem ser tratados. Na previsão da nota técnica, os Caps deixam de ser a principal referência no atendimento.

Destaques da nota técnica

1 - Inclusão de hospitais psiquiátricos nas Redes de Atenção Psicossocial (Raps)

Com uma resolução de dezembro de 2017, o Ministério da Saúde incluiu os hospitais psiquiátricos, junto com os ambulatórios e os hospitais-dia, nas Redes de Atenção Psicossocial (Raps) do SUS, que tratam do cuidado à saúde mental. Não haverá mais o chamado "modelo substitutivo". Dessa forma, os Caps não irão mais substituir os hospitais psiquiátricos que ainda permanecem em atividade — os dois modelos de atendimento deverão coexistir. Por outro lado, o documento proíbe a ampliação do número de leitos em hospitais psiquiátricos, determinando que esses leitos sejam oferecidos em hospitais gerais, dentro de enfermarias especializadas. Em sua atual versão, a norma do Ministério da Saúde estabelece que os hospitais gerais devem ter equipe qualificada, com enfermaria especializada ao atendimento psiquiátrico, com até 30 leitos. Segundo o texto, a política de retirar dos hospitais pessoas internadas há muito tempo permanece, assim como a implantação qualificada de enfermarias psiquiátricas capacitadas em hospitais gerais. Os especialistas que são a favor da inclusão dos hospitais argumentam que a medida pode salvar vidas, pois existem casos severos em que o paciente precisa de hospitalização para sair da crise ou representa uma ameaça a si ou a outras pessoas. Como vários hospitais gerais sofrem com falta de leitos, fazer com que alguns deles fossem reservados à psiquiatria poderia trazer problemas. Por outro, alguns especialistas afirmam que a norma vai contra o movimento de desospitalização instituído no Brasil, reforçando o modelo anterior à Reforma Psiquiátrica e excluindo os pacientes do convívio social. O atendimento delas, afirmam, poderia ser feito nos leitos reservados à psiquiatria nos hospitais gerais.

2 - Incentivo ao uso da eletroconvulsoterapia (ECT)

Com a nota, o Ministério da Saúde passaria a financiar a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (ECT) para tratamento de pacientes com transtornos mentais graves ou que não respondem a outros tratamentos. O equipamento consta na lista de materiais do Fundo Nacional de Saúde, vinculado ao SUS. Segundo Antônio Reinaldo Rabelo, professor aposentado da Ufba, o tratamento não causa danos ao cérebro e faz um "embaralhamento" nos circuitos do cérebro que estão com defeito. O tratamento com ECT é feito em várias sessões, mas, segundo ele, tem efeito mais rápido do que os antidepressivos, por exemplo.

3 - Internação de crianças e adolescentes

A nota do Ministério da Saúde previa a possibilidade de internação de crianças e adolescentes em enfermarias psiquiátricas de hospitais gerais ou em hospitais psiquiátricos. Segundo o posicionamento do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, citado no texto, essa internação deve ser feita, preferencialmente, em área separada da dos adultos. Uma portaria do Ministério da Saúde, que estabelece os valores pagos pelo governo pela diária de internação em hospitais psiquiátricos, a idade mínima do paciente aparece como 12 anos. Quando questionado pelo G1 sobre a possibilidade de crianças abaixo dessa idade serem internadas, no entanto, a pasta não respondeu.

4 - Uso da abstinência no tratamento contra as drogas

Segundo a nota técnica, a abstinência — na qual o usuário larga por completo o contato com as substâncias — passa a ser uma das estratégias da política de atenção às drogas, assim como a redução de danos, que era enfatizada anteriormente. Nesta última, busca-se encontrar soluções que sejam menos prejudiciais à saúde das pessoas: trocar o crack por um cigarro, por exemplo.