O jornalismo e seu potencial mediador

  • Marcilene Forechi | OI
  • 02 Jan 2015
  • 16:00h

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) tem 4.328 páginas. Foi dividido em três volumes e levou dois anos e sete meses para ser concluído. No dia 10 de dezembro, foi entregue à presidente Dilma Rousseff, em cerimônia oficial no Palácio do Planalto. No dia 11, a CNV recebeu das mãos do chanceler argentino, Héctor Timerman, o Prêmio Internacional de Direitos Humanos Emilio F. Mignone. Nas páginas do relatório, a história do Brasil começa a ser contada sob a perspectiva dos que sofreram com a ditadura militar, instaurada em 1964. Uma história não trata de uma única verdade, dadas as limitações e, por que não dizer, as impossibilidades de atingi-la; mas, de verdades possíveis, de silêncios e omissões. Uma vez entregue o relatório, o trabalho da CNV se encerra. Começa então, uma nova etapa no processo de dar visibilidade a um pedaço da nossa história que não a integra oficialmente. Se aos vencedores é dado o direito de narrar, aos vencidos – na época dos tanques, da tirania, da censura e da tortura – é dado o direito de lembrar. E, ao contrário do que podem pensar os que não sofreram com a ditatura e os que sequer tiveram consciência de que ela ocorria, é uma história de todos os brasileiros. O jornalismo, neste momento, exerce o seu papel de contar a história à queima-roupa. De transformar lembranças materializadas no relatório da CNV em verdades. Verdades que se consolidarão como tal nas páginas dos jornais, nos programas de televisão. Afinal, quantos de nós iremos ler o relatório disponível na internet? Quantos de nós saberemos os detalhes obtidos pela comissão durante o período em que trabalhou no levantamento de informações Transformar informação em conhecimento. Este parece ser o desafio que se coloca não apenas ao jornalismo, mas principalmente a ele. Para o sociólogo francês Dominique Wolton (ver “Quando todos falam, ninguém fala“), informação é mensagem; comunicação é relação com o outro. Desta forma, voltamos à ideia de que o jornalismo não reproduz informações apenas. Ele contribui com suas narrativas para a produção de verdades, de modos de ser, de subjetividades. O jornalismo oferece à sociedade uma leitura de outas leituras. Um recorte de realidade é apresentado depois de ter sido selecionado por meio de critérios que determinam sua importância e sua relevância no espaço público. Há uma função mediadora no jornalismo que torna real o que está disperso ou inacessível. Transformar o relatório da CNV em informação jornalística significa não apenas relatar de forma neutra. Significa permitir que novas verdades sejam incorporadas ao imaginário da sociedade.