O dever de não mentir contra o direito de falar sempre a verdade

  • por Fernando Duarte I Bahia Notícias
  • 15 Jun 2020
  • 07:48h

Foto: Reprodução / Redes sociais

Nos anos 2000, um sitcom de Fernanda Young e Alexandre Machado colocou o ator Luiz Fernando Guimarães no papel de "O Super Sincero", com direito à incrível trilha sonora de abertura de Lulu Santos. A época coincide com o início da minha vida adulta e uma crescente demanda pela resignificação da mentira como agente social. Sim, a sociedade nos obriga a conviver com "mentirinhas" para sobreviver. Porém nunca fui completamente convencido dessa convenção. Deveríamos ter o direito inalienável de falar a verdade o tempo inteiro. Tento seguir assim boa parte da vida. E, por isso, me arvoro ao direito de tratar a verdade como um dever individual e coletivo. 

É exatamente o contrário disso que se propõe os grupos que militam contra a criminalização das fake news. Para esse segmento, mentir é tão parte do dia a dia que cabe até pau-de-arara hermenêutico para tentar reinterpretar as leis ao próprio favor. Isso aconteceu no passado, quando houve aval jurídico para atrocidades da ditadura militar, por exemplo. Agora, o nível de sofisticação é ligeiramente maior. Não basta criar uma mentira. É preciso reforçá-la e transformá-la em política de Estado. Ainda que isso permita uma fragilização das instituições, sob a desculpa de que há a defesa tácita da democracia.

Calúnia e difamação são crimes previstos no Código Penal, por exemplo. Mesmo assim, o assassinato de reputações orquestrado por quem quer que seja segue a todo vapor. Antes comum no período eleitoral - e naturalizado como no caso de Marina Silva em 2014 -, agora se percebe que a bola de neve tomou proporções difíceis de controlar. Infelizmente, uma prática que deveria ser repudiada passou a ser política regular, defendida publicamente por importantes atores políticos. Por isso, é mais que necessário que uma legislação específica aborde o tema. E ela não pode ser o arremedo de projeto cheio de buracos que tentam aprovar no Congresso Nacional.

O ataque com foguetes à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo direito de mentir, deveria gerar repulsa da população brasileira. Ao invés disso, há quem trate o episódio como mais um exercício de liberdade de expressão. É aí que sinto falta do Super Sincero de Luiz Fernando Guimarães. Talvez ali tivesse uma representação distópica da realidade que poderíamos viver. A verdade pode não ser a pílula vermelha para o mundo que vivemos, mas ela é bem melhor que conviver com esse teatro de mentiras que se tornou o Brasil.

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