Artigo: Sérgio Moro: Político até o fim

  • João Batista de Castro Júnior. Professor do Curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia, campus Brumado.
  • 24 Abr 2020
  • 13:59h

Foto: Reprodução Google

A magistratura historicamente sempre serviu a dois senhores: conseguia fazer justiça no varejo com brilhantes e memoráveis episódios de dar a cada um o que é seu, mas, no atacado político, salvo exceções, era, sobretudo nos estratos hierárquicos superiores, omissa, subserviente, apesar de exigir o pagamento de um preço por isso, qual seja, bons salários, boas aposentadorias, veículos oficiais, sanções disciplinares inexpressivas, escandalosas férias de 60 dias, entre outras coisas, que o ministério público logo se apressou em chamar também para si à custa do pobre contribuinte brasileiro, que, nesse esquema de forte tributação sobre o consumo, paga mais impostos que o rico.   

Tudo bem que se pode dizer o mesmo de vários setores sociais de grande saliência: algumas universidades públicas estão cheias de discursos críticos mas infestadas de ociosidade improdutiva, além de compadrio e afilhadismo até na hora de dizer quem ingressa ou não em seus quadros. A medicina, a seu turno, tem muitos profissionais, que, trabalhando na rede pública de saúde, conduzem pacientes a tratamentos particulares em suas clínicas mesmo havendo opções gratuitas naquela.

Se se for atrás dessa meada, o novelo é grande. Mas quando se foca no valor Justiça, seus agentes assumem uma dimensão constitucional fora do comum, porque, como dizia Montesquieu, a injustiça contra um é injustiça contra todos. Daí o volume de insatisfação contra a corrupção, um câncer que não é privilégio de nossa fisiologia política, mas aqui sempre esteve desprovido de bom tratamento, não sem certa cumplicidade popular: muitos defendem publicamente o combate à corrupção, mas no dia a dia querem vantagens ilícitas dos gestores locais, querem privilégios criminosos em licitações e outros favorecimentos imorais de toda ordem.

Quando explodiu a Lava Jato, muitos dos que já tinham gozado de benefícios ilegais, mas estavam fora dos esquemas, fizeram eco ao “fora à corrupção”. A velocidade do entusiasmo popular foi tão grande que se perdeu a visão periférica dos detalhes: Moro, técnica e intelectualmente despreparado, estava fazendo política, pois, de judicatura, ele não fez nada, já que condenou sem provas, mesmo sabendo que é regra legal e princípio antigo o “in dubio pro reo”, promoveu condução coercitiva absolutamente desnecessária do ex-Presidente Lula, vazou áudios da então Presidente Dilma Roussef, além de outras barbaridades jurídicas menores, que, juntas, dão a dimensão do seu plano político por trás da toga.

Sim, só um juiz com pretensões políticas próprias podia sistematicamente atropelar a Constituição da forma tão desabrida como ele fez. Mesmo assim, na despedida, acusou o Presidente – cujas maluquices ele sempre avalizou pelas redes sociais na esperança de que fosse para o STF – de querer ter acesso a relatórios sigilosos de investigação policial. Foi um teatro de indignação, pelo menos vindo dele, que não pediu, mas efetivamente tomou medidas ilegais contra Lula e o governo Dilma por saber que, uma vez implementadas, sua suspensão pelas instâncias superiores de nada valeria.

Até no final, Moro escondeu sua maldade, sua dissimulação atrás do discurso moral que o povo gosta de ouvir. Está de novo fazendo política num terreno em que mais cedo ou mais tarde será abocanhado pelos malandros criminosos que nela pululam e que estão engrossando as fileiras do atual Presidente a seu convite.

Ao Brasil dos políticos restará torcer para que Moro, além dos fatos revelados que são mais que suficientes para um impeachment, vaze ilegalmente, com sua larga experiência no assunto, provas dos envolvimentos criminosos da família do Presidente e esta, em rebate, com sua habilidade miliciana, dispare contra o ex-ministro e ex-juiz federal revelações escandalosas de sua conduta.

Esse faroeste que se anuncia poderá ser salutar à verdade histórica e, de lambuja, deixará os fascistas ainda mais às tontas sem saber o que dizer sobre o fim do Bolsomoro,  o falso binômio feliz.  

Vitória da Conquista, Bahia, 24 de abril de 2020.