'Febre' entre os famosos, harmonização facial levanta discussão sobre 'padrão de beleza'

  • Redação
  • 18 Mai 2019
  • 16:44h

(Foto: R7)

Nas últimas semanas, a cantora Joelma estampou diversos portais de notícias após falar abertamente sobre os procedimentos que tem feito no rosto e mostrar o antes e depois. Adepta da harmonização facial, a artista de 44 anos se submeteu também às técnicas de preenchimento labial e facial, além de já ter mexido no nariz e no queixo e feito correção nos dentes. Mas ela não é a única. O termo, relativamente novo, se espalhou pelas redes sociais ao virar o queridinho dos famosos sedentos por intervenções estéticas, como Gisele Bundchen, Alok, Cleo Pires e Gretchen. Até o ginasta Diego Hypolito, após abrir o jogo sobre sua sexualidade, decidiu entrar para esse time com o intuito de “mudar algumas coisas que o deixam insatisfeito”. Aqui na Bahia, as cantoras Mari Antunes, do Babado Novo, e Vina Calmon, da banda Cheiro de Amor, já harmonizaram alguns pontos da face.Por harmonização facial pode-se entender como o conjunto de procedimentos estéticos feitos para criar uma simetria no rosto do paciente. “Através de uma análise criteriosa é possível detectar as regiões desarmônicas que muitas vezes trazem um aspecto de envelhecimento a face. Traçamos um plano de tratamento totalmente individualizado para alcançar os melhores resultados”, explicou a cirurgiã-dentista Diane Vasconcelos.

 

 

Especialista na área desde 2017, a profissional pontuou que todo mundo pode fazer desde que “haja uma necessidade” e que a vantagem da harmonização é a de compor procedimentos “minimante invasivos, praticamente indolores e de rápida recuperação”. Para isso as técnicas mais comuns utilizam toxina botulínica em rugas, ácido hialurônico para fazer preenchimento (pode ser na boca e no "bigode chinês", por exemplo), fios de elevação facial para lifting (correção de flacidez facial), microagulhamento (que perfura superficialmente a pele para promover o rejuvenescimento), procedimentos que estimulam a produção de colágeno contra o envelhecimento, bichectomia (retirada de gordura da bochecha) e redução enzimática da papada.

 

Contudo, submeter-se aos procedimentos têm custos elevados, que variam com o número de sessões. Quem faz o lifting facial com fios, que reduz as rugas e a flacidez do rosto, paga entre R$ 3 mil e R$ 9 mil. Em cada ampola de ácido hialurônico cobra-se de R$ 1.500 a R$ 1.800. Quando a ideia é reduzir a gengiva que aparece no sorriso, muitos utilizam o botox. O valor varia entre R$ 800 e R$ 2 mil, sendo que a reaplicações devem ocorrer anualmente.

 

Quem acompanha o jornalista e influenciador digital Fábio Guimarães nas redes sociais, já percebeu que ele costuma compartilhar o passo a passo das suas intervenções. Com quase 60 mil seguidores no Instagram, o baiano de 23 anos fez a primeira mudança no rosto aos 18. “Sempre me preocupei muito com a estética. Na adolescência tive muita acne, e, por conta disso, a minha autoestima era muito baixa, um dos principais motivos para me cuidar tanto. O principal motivo era ter a pele mais limpa, sem acne... depois de fazer o tratamento com Roacutan (antibiótico indicado para acne grau III) por mais de dois anos, vi a necessidade de cuidar das linhas de expressões, manchas e marquinhas, que ficaram como consequência das acnes”, informou.

Ao todo, ele já fez preenchimento, botox, carboxiterapia - aplicação de injeções de gás carbônico sob a pele para eliminar a celulite, estrias e gordura localizada -, microagulhamento, revitalização labial e peeling. “Cada procedimento requer um cuidado especial e diferente. Independente disso, é importante se atentar aos excessos, além da escolha do profissional para não se arrepender depois". Ao ser questionado se isso já aconteceu com ele, foi direto. “Não! Sempre penso muito bem antes”.

 

TODO MUNDO COM O ROSTO IGUAL?

Se por um lado a harmonização facial contribui para elevar a autoestima das pessoas ao “corrigir falhas” que as incomodam – mesmo que temporariamente, já que as técnicas precisam de manutenção –, por outro essas medidas podem estar contribuindo no reforço da padronização de um tipo de beleza como absoluta, que na maioria das vezes é inalcançada. A jornalista e youtuber Alexandra Gurgel, que debate em seu canal questões sobre autoestima, ditadura da beleza, gordofobia e outros tipos de preconceitos, fez um vídeo em aborda esta questão. Para ela, a harmonização facial está ”deixando todo mundo igual, todo mundo com a mesma cara”.

 

A própria Diane confessou que as pessoas chegam ao seu consultório pedindo para “ter os lábios da Marina Ruy Barbosa”. Contudo, ressaltou: “O que eu sempre falo é que o objetivo da harmonização facial não é deixar todo mundo igual a determinado famoso. Existe uma grande diferença entre o que o paciente pede e aquilo que ele realmente precisa. As características individuais precisam sempre ser levadas em consideração para alcançar um resultado bonito e natural”.

 

Já o psicólogo Danilo Caramelo ressaltou que durante a formação da personalidade, o ser humano busca figuras para aprender, se espelhar e entender o mundo a sua volta. E que, ao longo desse processo, para além dos pais, figuras como artistas e personagens são incorporadas para dar fundamento a essa construção. “Este é um processo natural, construímos o ‘Eu’ através do contato com o ‘outro’”.

 

“Uma parte desse processo de construção perpassa a preocupação com a imagem. Em todo a história da humanidade, desde os tempos tribais até os dias de hoje, houve uma preocupação com a imagem, seja na tinta que os índios usavam (e usam) nos rostos, as roupas que se vestiam nas diferentes épocas, até aos procedimentos cirúrgicos atuais. Tudo que se carrega (ou não) nos corpos compõe uma imagem que tem a pretensão de externar símbolos de nossa identidade compreendidas em um contexto sociocultural”, detalhou.

 

Contudo, apesar dessa consciência, Caramelo lembra que o uso das tecnologias incentivam atualmente a busca “por atingir os seletivos padrões de beleza”. “O maior perigo de todo este movimento estético são as pessoas que estão com problemas de autoestima em busca de melhorá-la em questões externas. Veja bem, a autoestima está ligada ao autoconceito, algo do indivíduo e de construção psíquica. Se esta não estiver bem desenvolvida, o sujeito pode entrar em uma onda de mudanças no próprio corpo que nunca alcançarão um grau de satisfação”, fixou.

 

“São como as pessoas com anorexia ou bulimia, que atingem níveis extremos de magreza e ainda se percebem acima do peso, ou em um nível mais moderado aquelas pessoas que possuem um corpo invejável aos olhos dos outros, mas quando questionadas sempre acreditam precisar perder mais uns quilos... O risco é que isso encontre um novo espaço nas cirurgias plásticas, e que existam pessoas nunca satisfeitas com o próprio corpo, gastando dinheiro, tempo e energia para mudar algo externo, quando o que deveriam mudar está na sua visão de si mesmas”, completou.

 

Quanto a isso, Guimarães concorda. “Padrões realmente não são naturais, eles foram criados para privilegiar pessoas. Essa ditadura, querendo ou não, está presente em vários outros nichos, como a moda, por exemplo,  não só apenas na beleza. O fato é de como você vai lidar com ela. Acredito que se for para melhorar, fazer bem, toda mudança é bem vinda”, avaliou.

 

MEDICINA X ODONTOLOGIA

Que a harmonização facial já é uma realidade entre os brasileiros não resta mais dúvidas. Não à toa, o país é o segundo no ranking de lugares que mais realizam cirurgias plásticas. De acordo com estudo realizado pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (ISAPS) de 2017, houve um aumento de 5% no total de procedimentos cirúrgicos comparado ao ano anterior. O número saltou de 10 milhões para 11 milhões. Contudo, uma regra é básica: para todo procedimento é necessário se certificar das habilitações do profissional que irá realizar a intervenção, além de verificar o registro do profissional no conselho da classe.

 

Nessa lógica, há uma discussão entre a medicina e odontologia sobre qual profissão estaria habilitada para realizar harmonização facial. Contudo, desde 29 de janeiro de 2019, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) reconheceu estes procedimentos como especialidade dos dentistas. “O cirurgião dentista tem o amparo da Lei Federal 5.081 e de diversas outras regulamentações para utilizar a toxina botulínica, os biomateriais preenchedores e outros recursos terapêuticos com total segurança. Passamos cinco anos de graduação estudando a região de cabeça e pescoço, além dos anos de pós-graduação em harmonização facial, o que nos fornece bastante experiência para trabalhar na área”, lembrou Vasconcelos.