A babá que aprendeu a ler sozinha e hoje faz pedagogia

  • 06 Abr 2019
  • 16:14h

Foto: Fabio Tito/G1

Todos os anos, cerca de 280 mil pessoas se matriculam na graduação em pedagogia no Brasil. Em 2019, uma delas é Maria das Neves, uma babá de 55 anos que só começou a estudar aos 45 e, no mês passado, finalmente conquistou o sonho de concluir o ensino médio. Agora, ela traça um novo plano, que ainda não está totalmente definido: ou trabalhará como professora do ensino infantil, ou com o ensino de jovens e adultos (EJA), onde poderá servir de inspiração. "Eu tinha um sonho de entrar na escola e estudar, mas chegar à faculdade era um sonho grande demais pra mim. Eu achava que era impossível", disse Maria das Neves ao G1, dias antes de começar o curso de pedagogia. No caso de Maria das Neves, que em 2019 virou caloura universitária do curso de pedagogia na FMU, em São Paulo, a trajetória até o ingresso no ensino superior levou dez anos e passou por diversos percalços, incluindo quatro tentativas de conseguir o certificado por meio do Enem. No entanto, ela contou com dois recursos que, segundo os dados mais recentes, estão cada vez mais escassos: tempo livre para estudar e um curso para jovens e adultos perto de casa ou do trabalho. A história de Maria integra a série de reportagens "Adultos sem diploma", na qual o G1 apresenta dados exclusivos sobre o Exame Nacional para Certificação de Competência de Jovens e Adultos (Encceja) que mostram que, dois anos depois que o governo federal decidiu retomar a aplicação do Encceja do ensino médio, em vez de usar o Enem para esse fim, a taxa de candidatos que fizeram todas as provas na mesma edição e conseguiram nota suficiente em todas elas para conseguir a certificação subiu de 14% para 36%. As reportagens também analisaram os microdados históricos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Censo da Educação Básica, e mostram que, se todos os 5,8 milhões de participantes do Enem 2016 necessitassem da nota mínima exigida para conseguirem o diploma do ensino médio, 69,8% teriam sido "reprovados".Além disso, embora o total de escolas tenha crescido 12% entre 2009 e 2018, o número de escolas que oferecem EJA do ensino fundamental caiu 34%.Neves também representa um ponto fora da curva porque, na primeira vez em que fez o Enem, conseguiu pontuação suficiente para tirar o certificado. Mas, como não havia preenchido o campo do formulário de inscrição sobre a solicitação da certificação, ela não poderia aproveitar as notas. No ano seguinte, ela conseguiu novamente notas suficientes no exame, com exceção da prova de matemática, em que ficou apenas 2 pontos abaixo da pontuação mínima para pedir a certificação. Na terceira tentativa via Enem, em 2015, Neves ficou abaixo da nota mínima exigida. Já em 2016, ela chegou a se inscrever, mas, por causa de complicações em uma cirurgia, precisou ficar cerca de um mês internada e acabou faltado ao exame. "Eu fiquei mais triste no primeiro ano, que eu já tinha conseguido a nota e não consegui o certificado", relembra ela, em entrevista ao G1. "Pra mim foi muito triste, me isolei, chorei bastante... Dei uma sumida." Neves disse que, depois da primeira tentativa frustrada, ela chegou a pensar em desistir do sonho."No primeiro ano eu fiquei assim: 'Será que eu desisto?' No ano seguinte eu falei: 'Não, não vou desistir. isso não tá nos meus planos, eu vou continuar'", contou Maria das Neves.