Presidente da OAB: 'Advogar na Justiça baiana é um inferno'

  • 11 Ago 2015
  • 07:59h

(Foto: Reprodução)

Há dois anos e oito meses na presidência da seccional baiana da OAB, o advogado Luiz Viana Queiroz diz  que as duas prioridades da sua gestão têm sido o enfrentamento da crise do judiciário e a defesa das  prerrogativas dos advogados. Diz que o Tribunal de Justiça da Bahia vive um colapso na gestão de pessoal. "Essa é uma crise de Estado, que atinge a cidadania baiana", afirma ele, que é favorável a que a advogada Beatriz Catta Preta revele quem na CPI da Petrobras a está intimidando.  "As pessoas precisam saber o que está acontecendo". Candidato à reeleição, explica por que é contra a redução da maior idade penal e o financiamento privado nas campanhas eleitorais, e critica o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que ameaça restringir a autonomia da OAB.

 

Como o senhor viu a intimidação sofrida pela advogada Beatriz Catta Preta, que afirmou se sentir ameaçada por integrantes da CPI da Petrobras?

Acho que a gente vive um momento muito especial no País, em que nós queremos a apuração profunda de todos os crimes, denúncias de corrupção e que todos que tenham cometido faltas e crimes sejam processados. Mas isto não pode ser ao preço da intimidação da defesa. O Brasil garante a ampla defesa e, portanto, os advogados são essenciais à  Justiça. Havendo qualquer constrangimento à advogacia, estarei ao lado da advocacia.

Ameaça contra advogados partindo de segmentos institucionais  é fato isolado ou tem sido uma prática no Brasil?

Eu nunca tinha ouvido falar de uma intimidação assim tão evidente e não tinha visto um profissional da advocacia ir a público dizer que estava ameaçado pelo trabalho da advocacia. Eu sei de casos, e aqui na Bahia tem muitos de ameaça, inclusive de morte, de colegas advogados, mas nunca vi assim uma coisa institucional ligado a um poder, como o caso Legislativo.

O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, autor da ação no STF que garantiu a Catta Preta o sigilo na relação com os clientes, disse ver um certo fascismo nas agressões contra advogados. O senhor concorda?

O que eu vejo com preocupação é que as pessoas, em nome da apuração dos crimes, possam considerar possível ou razoável diminuir, restringir ou intimidar a defesa. No Estado Democrático de Direito o processo penal é uma garantia do processado. Não é do Estado. Então, o processo penal deve seguir um rito legal e a mais ampla defesa possível, porque isso é uma garantia democrática.

Mesmo com a decisão do STF, a CPI quer que a advogada compareça à Câmara para revelar quem da comissão a está ameaçando? Ela deve depor na CPI?
Uma das grandes características do Estado Democrático Republicano é a transparência. Portanto, interessa a todos que os atos públicos sejam o mais transparente possível. No caso específico da advogacia, têm-se garantido o sigilo das informações que o advogado recebe. Mas se tiver  uma outra coisa que diga respeito à atuação dela como cidadã, acho que pode ser chamada a depor. Ela deve dizer quem na CPI a está ameaçando. As pessoas precisam saber o que está acontecendo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), classificou a OAB de cartel e de ser uma entidade sem credibilidade. Ele disse que colocará em votação projetos que tiram a autonomia da OAB, como o que extingue o exame da Ordem.  Qual sua opinião?

Uma pesquisa do Datafolha aponta a OAB como a entidade com maior credibilidade do País entre aqueles que a conhecem. Entre os que a não conhecem, ela está em segundo lugar. Portanto, a resposta à infeliz colocação do ilustre deputado é que ele está equivocado. Ele aparentemente não conhece a história dessa entidade, que em novembro completa 85 anos e que alcançou a maior credibilidade diante do povo brasileiro, exatamente porque tem uma história de lutas ao lado dos que sempre lutaram pelas aspiração democráticas do povo brasileiro.

E quanto à pauta sobre a OAB que Eduardo Cunha fala em colocar em votação?

Eu pessoalmente acho um equívoco eleger a OAB como adversário, como inimigo e  pautar mudanças legislativas que atinjam a OAB por algo que não parece ser o interesse público. O exame de ordem (prova feita por bachareis para entrar no quadro de advogados) serve aos advogados e, sobretudo, à cidadania. É uma forma de controlar, a partir do  crescimento exponencial das faculdades de Direito, aqueles que têm uma função relevante de defesa da vida, da liberdade, do patrimônio e da honra. Quero dizer que não temo nenhuma das proposta de Eduardo Cunha. Não tenho medo de controle de contas que ele propõe e a proposta de eleição direta para presidente nacional da OAB, que eu considero muito boa, quem levantou fui eu, como conselheiro federal da ordem há oito anos.

O Congresso está para votar o segundo turno da PEC que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Qual a sua opinião sobre essa matéria?

Acho que o  tratamento que deve ser dado àqueles que ainda não têm 19 anos deve ser diferenciado. O Estatuto da Criança e do Adolescente já tem punições severas. O que o Brasil precisa é aplicar o estatuto e punir os que estão entre 16 e 18 anos e que cometem infrações graves. Essa tentativa de diminuir a idade penal, na verdade, vem num momento em que a violência é crescente. Mas é um erro achar que se diminuir a idade penal vai conter a violência. Na verdade, vai dar  um tratamento equivalente aos maiores criminosos e, em vez de recuperar esses menores, vai favorecer a criminalidade.

Sendo especialista em direito eleitoral, como analisa a reforma política aprovada no Congresso? 

É difícil falar, porque são vários projetos em tramitação na Câmara e no Senado. Mas especificamente em relação à PEC 23, aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara, tem uma série de itens, entre os quais o que permite a doação de pessoas jurídicas a partidos políticos e não permite a doação dessas pessoas jurídicas a candidatos. Sigo mais uma vez a OAB que ajuizou, há dois anos, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade da doação por pessoas jurídicas, com um argumento simples: se as pessoas jurídicas, as empresas, não são titulares de direitos políticos, não devem participar do processo político eleitoral. A maioria dos ministros do Supremo já declarou a inconstitucionalidade da doação privada e minha expectativa é que esse entendimento seja mantido. Mas quanto a reforma política como o todo, a PEC 23  ainda pode sofrer alterações na Câmara e no Senado. Há, portanto, a perspectiva muito real de que não haja reforma política profunda se não for aprovada até outubro, um ano antes da eleição de 2016.

A seccional baiana OAB deu amplo apoio à investigação paralela feita pelo Ministério Público Estadual no caso da chacina do Cabula. Como o senhor recebeu a rápida absolvição, pela juíza Marivalda Almeida Moutinho, dos  nove policiais militares  acusados pelas 12 mortes?

A OAB se posicionou no sentido de que aquele evento, daquela forma, com a quantidade de pessoas que foram mortas e daquela maneira, precisava ser investigado. O Ministério Público fez sua investigação, concluiu que havia indícios de responsabilidade penal e denunciou. Por outro lado, mesmo depois da denúncia, a polícia civil conclui seu inquérito e chegou à conclusão oposta, que não tinha havido crime porque teria havido uso regular da força ou legítima defesa. O juiz titular recebeu a denúncia, foi apresentada a defesa, e a juíza substituta rapidamente decidiu. Eu tenho por norma e por princípio me manifestar o mínimo possível sobra as decisões judiciais, já que a OAB não é parte do processo. Mas não posso deixar de dizer que eu espero que haja um aprofundamento desta questão e de que o Ministério Público cumpra o seu dever , como já anunciado, de recorrer. 

O senhor declarou, recentemente, que a Justiça baiana vive a sua pior crise dos últimos 30 anos? É isso mesmo?
Não é crítico não, é caótico. O CNJ faz pesquisa em todos os anos sobre todo o sistema judiciário no Brasil. Em 2014 os números da Bahia são impressionantes. No primeiro grau de jurisdição, entre os juízes, há mais de 1,6 milhão processos, não foram decididos nem 15%. Isso demonstra que há algo muito errado, faltam juízes, faltam serventuários e falta estrutura. A Justiça estadual não é digna da Bahia. Para pegar emprestado a frase de Euclides da Cunha, diria que o advogado na Bahia é sobretudo um forte. Porque só um homem ou mulher forte é capaz de continuar advogando num sistema que não funciona.

Essa operação de deslocar servidores do 2º grau para suprir demanda de pessoal nos cartórios (1º grau) não está ajudando?

Na verdade houve uma verdadeira intervenção do CNJ no TJ deslocando cerca de 200 assessores dos desembargadores para o 1º grau na Capital e esse serviço tem sido muito positivo, mas insuficiente para resolver todos os problemas do Judiciário. Tenho dito que advogar na Justiça baiana é um inferno. A crise do judiciário baiano não é uma questão simples e a OAB tem se debruçado sobre ela. Constituímos uma mesa permanente de articulações, com a presença da OAB, TJ, juízes, promotores, defensores públicos e sindicatos e elencamos os 16 itens que respondem pela crise. Talvez o mais importante, a crise de pessoal. O tribunal responde que é um problema jurídico, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que o Judiciário só pode gastar com pessoal até 6% da receita corrente líquida do Estado. Isso eu entendo, mas é necessário resolver o problema de gestão. Existe milhares de serventuários e é preciso que eles estejam melhor administrados, de melhor remuneração, mas também precisam ser cobrados pelos serviços. A Bahia possui mais de 700 juízes, também é preciso que tenham melhor condições de trabalho e remuneração. Então, ao lado da impossibilidade de contratar  novos, há um déficit grave de gestão de pessoal.

A OAB chegou a sugerir um plano estratégico para o Judiciário, não foi?

Sugeri inúmeras vezes e não consegui ter repercussão junto à presidência do TJ, porque o presidente, desembargador Eserval Rocha, é de difícil relacionamento e tem um diálogo muito difícil com a OAB. Levei ao presidente do Supremo (Ricardo  Lewandowski) e à ministra-corregedora do CNJ (Nacy Andrighi) uma proposta de reestruturação sustentável do judiciário baiano. A minha decepção é que o TJ, que deveria ser o protagonista da crise, não consegue solucionar isso. Mais do que isso, essa é uma crise de Estado, que atinge a cidadania baiana. O inaceitável é que todos os anos se repita a mesma resposta: não podemos melhorar, porque estamos no limite prudencial de gasto com pessoal.

E qual a dificuldade do TJ para enfrentar a solução da crise?
Uma das razões, para mim, é a falta de transparência, porque é preciso abrir o diálogo da crise não apenas com os desembargadores e os juízes, mas também com os advogados, serventuários e outras segmentos da sociedade civil, e se articular com o governador e a Assembleia Legislativa. É um problema político, que precisa de uma solução política.

O corregedor-geral de Justiça, José Olegário, disse que luta para adotar nos cartórios judiciais o turnão (sete horas consecutivas de funcionamento). Porque a OAB é contra?

Isso foi feito na gestão da desembargadora Silvia Zarif , quando houve uma medida da OAB-BA no CNJ que barrou o turnão. Foi feito um acordo escrito entre o TJ e a OAB-BA, homologado pelo CNJ, dizendo que não ia haver turnão. Então, há uma questão jurídica e, depois, se o 1º grau não está funcionando de forma eficaz em dois turnos, menos funcionará com um turno só.

O senhor é candidato à reeleição da OAB-BA, agora em novembro?
Estou sendo chamado para ser candidato pelo grupo que me apoia, para dar continuidade aos dois eixos de prioridade da minha gestão, que tem sido enfrentar a crise do judiciário e defender as prerrogativas dos advogados. Tanto que temos feito um grande trabalho de aparelhamento físico da OAB, com obras e reformas de sedes no interior .

Como avaliou as críticas à sua gestão feitas pelo ex-presidente da seccional, Saul Quadros, de ser  "omissa, silente [e] muda" sobre os problemas do Judiciário baiano e que "desenvolve uma política de apadrinhamento" com "inaugurações eleitorais"?
Não vou ofendê-lo em homenagem à história, à idade e à família dele. Acho que as críticas ora decorrem de um absoluto desconhecimento do que tem sido feito na OAB, ora da própria incapacidade política de compreender o momento da advocacia, ora porque nós estamos começando o processo eleitoral e ele lançou o candidato, Carlos Ratz, e está tentando beneficiar o candidato dele. Mas é óbvio que é uma opção política. Eu diferentemente dele, no lugar de guardar o dinheiro da OAB, estou investindo mais e melhor para os advogados e em nome da defesa das prerrogativas dos advogados.


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