Brasil só tem doses garantidas para vacinar 65% da população

  • Rafael Garcia e Bruno Alfano | O GLOBO
  • 06 Mar 2021
  • 11:07h

Ministro da Saúde da Índia Harsh Vardhan segura uma dose da vacina COVID-19 da Bharat Biotech chamada Covaxin Foto: Adnan Abidi / Reuters

O Brasil ainda está longe de chegar à marca de 70% de sua população vacinada, estimada como um limiar mínimo para imunidade coletiva contra o novo coronavírus. Após 49 dias de campanha de vacinação em curso, apenas 3,75% da população (5% dos adultos) recebeu a primeira dose do imunizante. E, se forem consideradas apenas as vacinas com contrato fechado no Brasil, o país deve chegar a abril do ano que vem ainda sem atingir a taxa almejada de 70% de vacinados com duas doses. O governo federal está em tratativas com mais fabricantes de vacina e divulgou nesta semana os prazos propostos em negociações. Se esses contratos se concretizarem, o Brasil teria capacidade de atingir o limiar dos 70% ainda antes do fim do ano. Esse segundo cenário inclui vacinas da Pfizer, Janssen, Sputnik V e Moderna.

Essa perspectiva mais otimista requer também a confirmação de “compras futuras” que o ministério lista a serem efetuadas com a AstraZeneca e a Sinovac, que detêm, respectivamente, os royalties das vacinas que vêm sendo produzidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto Butantan, a partir de setembro.

A projeção feita pelo GLOBO levou em conta os períodos necessários de intervalos entre doses aprovados para cada vacina (no Brasil ou no exterior) e considerou uma capacidade de aplicação de 2 milhões de doses por dia no Brasil, que especialistas consideram exequível. Seria difícil chegar a um limiar de 70% antes de dezembro, porque, quando a maioria dos lotes de vacina estiverem chegando, o Programa Nacional de Imunização (PNI) possivelmente já estará operando com sua capacidade total, sem condições de aplicar as novas doses em tempo hábil.

Um dado preocupante é que o Brasil só tem compra de vacina contratada para imunizar 65% de sua população. O Ministério da Saúde divulgou o recebimento de 275 milhões de doses de vacinas para o Brasil, incluindo na conta as já entregues e aplicadas (apenas 1,23% da população já recebeu as duas doses da vacina). Outros 140 milhões de doses viriam pelas “compras futuras” com AstraZeneca e Sinovac, e mais 161 milhões são as doses ainda “em tratativas”, segundo o cronograma do governo federal.

Se todos os negócios listados pela pasta se concretizarem, no ano que vem o Brasil já terá dose para vacinar 100% da população. Mas o ritmo atual de vacinação está lento, segundo especialistas, justamente por conta da falta de vacinas no sistema.

Segundo Denise Garrett, epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin, o Brasil tem experiência e estrutura suficientes para ter mais agilidade, mesmo num cenário de escassez de doses.

— O Brasil conseguiu vacinar 80 milhões de pessoas, na campanha contra Influenza, em apenas três meses. São 38 mil salas de vacinação no país inteiro, com profissionais treinados. É inaceitável o que estamos vendo — afirma. — Faltam experiência e organização para lidar com esse tipo de campanha, que é realmente complicada.

Desde o início da campanha de vacinação contra a Covid-19, o Brasil deu a primeira dose do imunizante para, em média, 0,1% da sua população por dia. De acordo com o portal Our World in Data, da Universidade de Oxford, o ritmo de vacinação brasileiro fica bem abaixo do de outros países.

Cenário global

Os chilenos e americanos, por exemplo, vacinaram com pelo menos uma dose mais do que o dobro dessa parcela populacional (0,26% e 0,22%, respectivamente) diariamente. O Reino Unido tem quase o quádruplo (0,39%) de parcela da população imunizada por dia, e Israel, que ganhou destaque mundialmente na agilidade no processo, alcançou 0,77% da população vacinada por dia — um ritmo sete vezes maior do que o brasileiro.

O Chile, que tem a vacinação no estágio mais avançado da América Latina, conseguiu aplicar pelo menos uma dose em 20,4% da sua população (contra cerca de 4% do Brasil). Já os EUA imunizaram 16,2%, o Reino Unido está em 30,9% e Israel já tem a maior parte dos cidadãos com pelo menos uma dose da vacina contra Covid-19, com uma taxa de 56%. Todos esses países começaram, no entanto, suas campanhas quase um mês antes do Brasil.

O ex-presidente da Anvisa Gonzalo Vecina prevê aceleração da vacinação no país apenas no começo do segundo semestre, com a chegada maior de doses, caso se confirmem a previsão da Fiocruz e os acordos com a Pfizer e a Janssen, principalmente.

— Quando atingirmos um número de 45 milhões de doses disponíveis num mês, vamos atingir “velocidade de cruzeiro”. Chegando a vacina, espero que aconteça no Brasil um pouco do que está acontecendo na Escócia e Israel, onde o número de casos caiu consideravelmente — avalia.

Vecina e a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai, entendem que o Brasil tem a infraestrutura e o material humano necessários para conseguir aumentar o ritmo de imunização quando as doses chegarem. Até lá, no entanto, a especialista recomenda se proteger do vírus seguindo os protocolos sanitários.

— Aconselho a só sair se necessário. A gente vive o pior momento da pandemia e está difícil as pessoas acreditarem nisso. Em agosto do ano passado, estávamos assustados e em casa com o número de casos que a gente tinha. E hoje temos muito mais. Parece que a percepção mudou. As pessoas perderam o medo de pegar — diz.

Segundo Isabella, o poder público no Brasil precisa manter as medidas de contenção do vírus e, enquanto a vacinação seguir, monitorar a pandemia.

Especialistas afirmam que ainda não há um consenso sobre quando a imunidade coletiva pode ser atingida a ponto de reduzir a pandemia por si só, e há fatores novos complicantes para se fazer essas estimativas, como as novas variedades do vírus que circulam no Brasil e em outros países.


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