'Rouba, mas faz': Padrão exposto por ex-prefeito do Piauí é retrato do Brasil

  • Fernando Duarte
  • 09 Set 2020
  • 08:29h

(Foto: Reprodução G1)

Rouba, mas faz. Essa máxima gerou muitas administrações no Brasil profundo e, infelizmente, deve continuar sendo uma regra nas próximas eleições. A exceção é quando uma gestão permanece incólume, sem qualquer denúncia de malfeito - mesmo que o responsável não esteja pessoalmente envolvido. O ex-prefeito de Cocal (PI), José Maria Monção (PTB), foi ao extremo. “Não roubei o tanto que esse aí”, disse numa referência ao atual prefeito da cidade, sob risos de quem assistiu ao vivo e perplexidade de quem acompanhou a repercussão.

Um daqueles que ri da afirmação do petebista é o senador Ciro Nogueira, presidente do Progressistas e um dos avalistas do ingresso do Centrão na base aliada do presidente Jair Bolsonaro. É uma daquelas piadas prontas, que nem precisa de um Marcelo Adnet da vida para provocar gargalhadas de constrangimento. O responsável por ampliar a base do governo no Congresso para evitar eventuais imputações por crime de responsabilidade do presidente se diverte ao ver o sincericídio de Monção.

O ex-prefeito piauiense acabou escrachado nas redes sociais. E com razão. Não é admissível que um homem público trate de maneira tão jocosa o patrimônio de um município. O problema é que Monção é apenas um personagem dessa tragédia cotidiana que assola os rincões do país. A lógica do “rouba, mas faz” é tão parte do dia a dia do brasileiro que naturalizamos ao ponto de não enxergar o quão problemática é a afirmação. Para quem tem pouco acesso à educação - seja ela formal ou cultural -, escolher entre o sujo e o mal lavado não chega a ser uma opção viável.

Em um país cujas oportunidades são ceifadas o tempo inteiro, ouvir que um prefeito roubou menos que outro é algo tão natural que pode provocar burburinho, mas não necessariamente pode impedir que o acusador ou o acusado sejam eleitos reiteradas vezes. Vide a imensa lista de políticos “ficha-sujas” pelos tribunais de contas que conseguem concorrer sub judice e logram êxito nas urnas, independente de terem cometidos crimes contra o patrimônio público. É com pesar que admitimos isso como rotina. Porém em quantas cidades você já ouviu falar que houve uma situação similar?

O ex-prefeito de Cocal cometeu o pecado de ter sido gravado falando essa atrocidade. Caso não fosse disponibilizado nas redes sociais, talvez passasse despercebido. Assim como vai passar despercebido que Ciro Nogueira estava lá atrás, participando dessa festa de lançamento de candidatura. Definitivamente, é difícil prever os roteiros desse Brasil.


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