Dona Toinha: Uma estrela que retorna mais luminosa aos céus

  • João Batista de Castro Júnior. Professor do Curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia, campus Brumado. Juiz Federal. Doutor em Linguística e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Ex-Promotor de Justiça. Ex-Presidente da União dos Juízes Fe
  • 17 Mai 2020
  • 11:33h

Foto: Arquivo Pessoal I João Batista de Castro Júnior

Na virada da década de 70 pra de 80, quando saía da rua Olavo Bilac, onde morava, para ir ao famoso Armarinho Ipiranga, na Coronel Zequinha, onde trabalhavam meus tios maternos, eu nunca punha os pés na calçada do Centro Espírita Obreiros do Porvir, que ficava nos fundos da Igreja Matriz, porque, prisioneiro da desinformação, ficava receoso de que algum espírito endemoninhado pudesse pular nas minhas costas e não sair mais.

6 anos depois entrava eu ali como adepto recebido acolhedoramente pelo já septuagenário Sr. Edgar Spínola Teixeira, primo em 1º grau do educador Anísio Teixeira, e por Sr. Dionísio, um negro sem grande formação escolarizada, mas dono de sabedoria notavelmente incomum. Eram os dois pilares daquela entidade, embora com visões um pouco distintas no trato prático da Doutrina Espírita, circundados por personalidades operosas como Dr. Allan, da Codevasf, Lizete,  Dona Carmelita, Letícia, entre outras.  

Esses foram alguns dos momentos mais enriquecedores de minha vida na Terra, sem jamais ter esquecido que para ali tinha sido levado por uma inestimável amiga, Dona “Roxa”, ao argumento de que se encerrara meu rápido estágio na religião que ela ainda hoje professa, a Umbanda, em cujos cultos eu vira um universo arrebatadoramente enternecedor, onde a tocante reverência a Jesus se faz num quesito esquecido em muitas religiões cristãs oficiais: o humilde anonimato.

Sim, numerosos membros de famílias guanambienses ditas tradicionais, carregando desarranjos psíquicos para os quais não encontravam solução nos ambientes religiosos tradicionais ou mesmo nos meios científicos, foram, sobretudo nas décadas de 70 e 80, buscar socorro nas práticas umbandistas, embora às escondidas. Formava-se então um quadro rico à observação da Antropologia das Religiões: aqueles negros e negras, mesmo intimamente cientes de que seu empenho cristão não era uma alforria contra as algemas do duradouro preconceito social e racial neste País, se desdobravam em orações e nos trabalhosos fenômenos de incorporação para ao final estamparem inacreditável alegria por fazer caridade em favor de quem, a partir dali, ia fingir não vê-los nas ruas a fim de evitar até um mero cumprimento.

Nesse ponto é que entra o grandioso papel missionário de Dona Toinha em Guanambi: rica empresária branca alocada no mais alto estrato socioeconômico local, tomou a si, mesmo sem ter mediunidade ostensiva, a tarefa de fundar uma comunidade negra de Umbanda na década de 60. Foi seu nome de peso que blindou essa religião de ser abertamente achincalhada, desrespeitada e vilipendiada, tendo sido ainda sob sua influência de proteção social que, direta ou indiretamente, se formaram trabalhadores memoráveis como Helena Maria da Conceição, conhecida como Dona Helena, também falecida no mês de maio. A data de partida de ambas não é obra do acaso, mas das insondáveis tramas quânticas do Universo. É o mês dos Pretos Velhos, que não só elas como várias outras mulheres guanambienses extraordinárias tanto cultuaram naqueles memoráveis terreiros que pertencem a uma história local infelizmente ainda não escrita.  

Num dos livros produzidos pela mediunidade de Divaldo Franco, o espírito do médico Bezerra de Menezes revela que não poucas vezes teve que se valer desses espaços de Umbanda para uso de técnicas desobsessivas porque não tinha encontrado recepção à mediunidade de incorporação em centros espíritas perdidos em discussões abstratas, o que só reafirma que se o Espiritismo, substantivo masculino, foi o pai formador de nomes na maioridade espiritual da teoria científica que a evolução planetária termina cobrando, a Umbanda, palavra feminina, foi sempre a mãe preta a oferecer o regaço tépido e o leite do consolo místico a não poucos filhos colaços inexperientes e desordenados.  

A baixa visibilidade social do trabalho resume o fadário de mulheres como Dona Toinha: seu legado, na Terra, não teve grandes aplausos, mas inegavelmente estará distribuído de forma capilar nas redes emocionais de cada um dos seus beneficiários, sobretudo os mais pobres, que, desprovidos de qualquer acesso à saúde antes do SUS, vinham não só do sofrido Pé do Morro como das zonas rurais e urbanas de Municípios vizinhos, em caminhonetes carregadas, na busca de atendimentos gratuitos, saindo dali com aquela felicidade risonha, mas silenciosa, a portar nas mãos a indicação de banhos de rosas, de ervas e nomes de defumadores, ainda inebriados pelo poder dos majestosos cânticos conhecidos como “pontos”.

Não há o que lamentar, entretanto, na partida de Dona Toinha. Sua vocação para o trabalho prossegue, pois, ao deixar para trás sua carcaça somática, ela, que sempre soube o valor das lutas no mundo terreno e no terreno do mundo espiritual, se juntará muito em breve às legiões que estão se formando na pátria espiritual em prol da atual transição planetária anunciada por todas as religiões, mas que não se fará sem dor e testemunhos do sacrifício.

Oxalá seu exemplo de singular e desconhecida coragem e dedicação, inspirado no Cristianismo Apostólico, possa servir de estímulo definitivo aos que se preparam para voltar em breve ao palco terrestre com a missão de renová-lo.

Jesus a abençoe, minha querida Dona Toinha. Obrigado por tudo.

Vitória da Conquista, 16 de maio de 2.020.


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