Fiscal no Instagram, acordo de R$ 3 mi: O que ninguém te contou sobre o Ecad

  • Estela Marques
  • 20 Fev 2020
  • 14:19h

(Divulgação)

Talvez você nunca tenha parado para pensar, nem mesmo a gente que escreve essa matéria agora, mas as reproduções musicais têm um custo. Afinal, os dias de Carnaval não seriam tão animados assim se não fossem aquelas pessoas que compõem as canções. E é em proteção ao direito de receberem pelo seu trabalho que atua o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

O Carnaval começa oficialmente nesta quinta-feira (20) e daqui para frente será só assim: acordamos ouvindo música, ligamos a TV e ouvimos música, saímos de casa em direção ao circuito e é mais música; chegamos na Avenida, da mesma forma. Para onde a gente vai tem música. Do carrinho que vende cerveja 3 por R$ 5, do carro que ocupou toda a mala com um mini-paredão, da garagem que temporariamente virou depósito de bebidas para a folia, do trio elétrico, óbvio!

“É importante que as pessoas tenham sensibilidade para entender que por trás de cada canção há um autor, um personagem invisível que não está em cima do trio, mas que é responsável direto por todos os sucessos de nossa música”, observa Manno Góes, um dos principais nomes da luta pelos direitos autorais aqui na Bahia.

Foi ele, que já acumula 250 composições gravadas, o criador do movimento que em 2018 apontou a inadimplência da prefeitura de Salvador com o Ecad. A iniciativa repercutiu e levou a atual gestão a negociar com o escritório o pagamento da dívida. O acordo ficou em torno de aproximadamente R$ 3 milhões, referentes a 5% dos cachês contratados entre janeiro de 2013 e janeiro de 2019. A partir de então, a Empresa Salvador Turismo (Saltur) deve repassar ao Ecad 5% do valor dos cachês contratados e pagos por evento.

O advogado André Gallo, especialista em direitos autorais, defende a cobrança da taxa de execução da obra protegida por lei. Não só porque está na legislação, como também por uma questão social. “O Carnaval é uma festa que está simbioticamente ligada à música, a um estilo musical. Se você não remunera a força motriz daquela festa, você tende a esvaziar aquele evento. Tende a comprometer bastante a qualidade e o desenvolvimento daquela festa”, explica.

Quem lucra, paga
De acordo com Gallo, todo mundo que lucra com atividade que usará música precisa repassar um percentual ao Ecad. Falando especificamente de Carnaval,além do Estado, que contrata artistas para trios independentes e palcos nos bairros, os donos de blocos – sejam empresários ou artistas – também precisam arrecadar. Igualmente, os donos de camarotes. A prefeitura informou ao bahia.ba, por meio de sua assessoria de imprensa, que a responsabilidade pela fiscalização das entidades privadas é diretamente exercida pelo Ecad.

Membro da União Brasileira de Compositores (UBC), Manno destaca que produtores não podem esquecer que, quando contratam palco, artistas e instrumentistas, eles também estão contratando os compositores. “As músicas que vão justificar o contrato desses instrumentos, desses personagens que são os artistas”, acrescenta. No Carnaval, principalmente, já que muitas composições são reproduzidas apenas nesse período de festa – como marchinhas e o próprio axé.

“Fora os grandes artistas que estão executando hoje nas rádios, a quantidade está sendo cada vez menor, no axé, em geral os compositores da música baiana têm como grande momento de arrecadação o Carnaval. Se a prefeitura não contribui para isso, a prefeitura está contribuindo para o esvaziamento da atividade dos compositores e, consequentemente, da própria festa”, observa Gallo.

Ecad em detalhes
A operação do Ecad é complexa. Imagine ter o controle sobre quem reproduz o quê, quantas vezes, onde e de que forma, e ainda ter de cobrar e repassar o percentual de execução para os compositores. Não é fácil quanto possa parecer.

De acordo com André Gallo, advogado especialista em direitos autorais, a cadeia de arrecadação é extensa. Se tomarmos como exemplo um festival de música, os artistas devem apresentar o setlist previamente para que seja repassada a arrecadação ao Ecad. O valor é dividido entre os compositores de todas as obras que forem apresentadas no festival. Mas não diretamente.

Depois de a arrecadação chegar no Ecad, o valor é distribuído entre as associações vinculadas ao escritório – tal qual a UBC, da qual Manno Góes faz parte – para que o valor seja repassado aos compositores. Os repasses são trimestrais.

“Existe um valor mínimo de arrecadação que precisa ser atingido para que o Ecad faça o repasse, justamente por conta do custo envolvendo o procedimento. Se não for atingido esse valor mínimo de arrecadação, vira crédito para o compositor. Caso no próximo trimestre esse valor atinja o mínimo, o valor é distribuído. Vale dizer que o autor precisa estar associado a uma das associações de gestão coletiva, mas o fato de ele não estar associado não faz com que não seja gerado crédito em favor dele. Fica o crédito acumulado. Uma vez que ele se associe, esse valor pode ser repassado”, explica André.

E o Ecad é muito eficiente no que se propõe. Tanto que o escritório tem até fiscal no Instagram para saber se haverá algum evento com execução pública de obras com direitos autorais. Já houve casos de uma academia promover um evento com show de um aluno que é músico, divulgar um flyer na internet e receber a ligação de um fiscal do escritório afirmando que ficou sabendo do evento e se colocando à disposição para negociar.

“Uma coisa interessante na dinâmica do Ecad é que o fiscal tem autonomia para negociar. Então, tem critérios de arrecadação – por área sonorizada, arrecadação por obra executada – que se encaixam a depender do perfil daquele que está utilizando a obra; se é música ao vivo, se é música mecânica. Os critérios estão lá muito bem definidos e o Ecad divulga muito bem isso. Só que a gente sabe que as coisas são complicadas, há situações bem específicas, então o próprio fiscal tem autonomia para poder fazer essa negociação. Isso facilita muito para os produtores”, acrescenta Gallo.

O advogado ressalta que é preciso entender as formas de arrecadação. A execução pública a título de direito autoral pode ser decorrente de utilização de fonograma, que é a materialização da obra, com arranjo e gravação. Cada fixação dessa é um fonograma diferente, que é um objeto de direito diferente da obra. A arrecadação do Ecad remunera não só o autor, mas também o dono do fonograma – que pode ser o produtor fonográfico ou as gravadoras.

“Quando a gente tem situação de execução pública, por exemplo, aquele fonograma toca na rádio. Do valor que é arrecadado, uma parte remunera o autor, outra parte remunera o dono do fonograma e as pessoas que participaram da fixação daquele fonograma – intérpretes, músicos, etc. Importante a gente saber naquela arrecadação quem de fato vai ser beneficiado. Óbvio que a remuneração maior vai ser do autor”, finaliza.


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