Dia das Mães: conheça a história de Cristine, que teve dois abortos, perdeu dois filhos e voltou a ser mãe

  • Zero Hora
  • 08 Mai 2016
  • 10:01h

Cristine Soares e a filha Luísa em sua casa, em Canoas Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS

No Dia das Mães, contamos a história de Cristine Soares. Uma história de perdas e de esperança: a empresária de Canoas viu dois filhos morrerem e sofreu dois abortos espontâneos. Hoje, aos 35 anos, é mãe novamente: vai comemorar a data deste domingo com Luísa, 10 meses.— Minha missão nesta vida é ser mãe — diz Cristine. cabem em uma caixa de papelão branca, decorada com a impressão a tinta de mãos e pés infantis, todos os pertences da breve história estudantil: a agenda com as anotações da rotina diária, escova e creme dental, uma bandeirola do Brasil, uma coroa em miniatura, o desenho de um coelho rabiscado de azul, uma máscara com lantejoulas, o gargalo de uma garrafa pet simulando o tatu-bola Fuleco, mascote da Copa de 2014. “Na rodinha, sua música preferida era Borboletinha”, lê-se no registro da professora. Um cartão de identificação exibe uma foto tamanho 3x4 e o nome da aluna: Nathália. Com a súbita interrupção do ano letivo de 2014, a escola Cavalinho de Pau entregou todo o material à família – os alunos do Maternal 2 confeccionaram coraçõezinhos de papel em homenagem à colega que não compareceria mais às aulas.

Nathália Soares Nahon Marinho era filha de Cristine Soares, 35 anos, que abre a caixa de recordações sobre o tapete felpudo da sala de casa, em uma manhã do final de abril, durante uma sessão de fotos para esta reportagem. O que melhor qualifica a empresária de Canoas é sua condição mais transitória e também mais permanente: Cristine é mãe. De um total de cinco gestações, restou-lhe uma filha. A primeira perda foi Nathan, que sobreviveu por menos de 24 horas após o parto. Dois bebês morreram ainda no ventre, em estágios iniciais da gravidez. Nathália, três anos, não resistiu aos ferimentos sofridos em um acidente de carro, ocorrido quando a mãe já gestava, sem saber, Luísa, a filha que completa 11 meses no dia 15. Em dois encontros, num depoimento vívido que se estendeu por mais de seis horas, Cristine falou do passado com tranquilidade, sem interromper a narrativa nas diversas vezes em que chorou: – Eu gosto de falar dos meus filhos. Minha missão nessa vida é ser mãe. Cristine engravidou pela primeira vez aos 24 anos. Nathan foi festejado, mesmo chegando sem planejamento – até então, a jovem julgava ser estéril devido a uma doença no aparelho reprodutor. A gestação parecia correr sem sobressaltos, até que um exame alterado forçou uma internação para averiguações. Suspeitava-se de algum problema, mas não se obteve um diagnóstico. Prematuro, o menino nasceu com 34 semanas, às 20h14min de 28 de dezembro de 2004. A mãe nem viu o filho – os médicos constataram de imediato que algo não ia bem e o encaminharam para a UTI neonatal. Sem informações, Cristine antecipava o pior. Do lado de fora, familiares também ansiavam por notícias. Sequer sabiam que Nathan já havia nascido – a equipe esquecera de chamar o pai da criança, máquina fotográfica em punho, para acompanhar. – Cadê o meu filho? – questionava a mãe aos funcionários. – Pelo amor de Deus, alguém vai atrás para saber o que que houve! Inconformada com as evasivas, ameaçou se levantar. Eram 4h quando uma pediatra surgiu com pouco a dizer. Cristine, levada de cadeira de rodas até a incubadora, conheceu o primogênito. Com quase três quilos, apesar da fragilidade comprovada por fios e aparelhos, ele aparentava ser perfeito. Sofria de uma cardiopatia que passara despercebida no pré-natal. – Posso pegar? – pediu Cristine. Uma enfermeira a desencorajou. A mãe acariciou a orelha do menino e disse: – Tem um monte de coisa para ti em casa. Fica bem logo. A paciente se preparava para sair da UTI quando uma médica interveio, autorizando-a a segurar o filho. Indecisa entre os dois pareceres opostos, hesitou. “Vai que eu desligo alguma coisa e prejudico ele...”, pensou. Julgou que seria melhor não removê-lo dali. “Ainda tenho a vida inteira para pegá-lo no colo.” Resolveu deixar o local. Olhou para trás, voltou. Enrolado em uma coberta, o recém-nascido foi aconchegado nos braços de Cristine, que sentia um misto de felicidade e apreensão. A suspeita de que a situação era grave se fortaleceu quando um padre adentrou a unidade e se dirigiu diretamente a Nathan. Terminada a prece, o religioso saiu, sem se deter diante de qualquer um dos outros bebês. – Ele vem aqui toda hora dar uma bênção – despistou alguém. Cristine foi conduzida de volta ao quarto. No leito ao lado, uma adolescente ignorava os apelos da enfermeira e rejeitava qualquer contato com os gêmeos que acabara de dar à luz. Depois de duas horas, Cristine foi levada à UTI neonatal outra vez. Cogitava uma possível melhora do quadro quando avistou um pano cobrindo o corpo do filho. Não permitiu que a funcionária que caminhava em sua direção falasse. – Eu não quero escutar! – protestou, tentando manobrar a cadeira de rodas para fugir. Nathan morreu às 14h30min de 29 de dezembro. A mãe recebeu um medicamento para cessar a produção de leite, que ainda brotaria espontaneamente por dias, no banho, no contato da água morna com os seios. Após a alta, ela seguiu direto para a capela onde se realizaria o velório. Transtornava-a a mudança brusca do roteiro: não haveria um bebê nos braços, a recepção calorosa da família, as fotos. No caixão azul diminuto, Nathan vestia a roupinha que a mãe escolhera para o momento em que ambos iriam para casa. Por medo de esquecer o rosto do filho, Cristine insistiu em fixar o olhar na cena. Sobrou aos pais apenas uma fotografia de Nathan. Mais tarde, o celular que continha a imagem captada durante a internação acabou sendo roubado.


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