Artistas baianos avaliam ausência de negros no Oscar e apontam tentativa de ignorar méritos

  • 23 Jan 2016
  • 08:29h

Foto: Montagem/ Bahia Notícias

Após a divulgação da lista de filmes e atores indicados ao Oscar em 2016, a ausência de representantes negros gerou desconforto e protestos nos Estados Unidos. Um dos primeiros a declarar insatisfação foi o diretor Spike Lee (clique aqui e entenda), que afirmou que não participará da cerimônia de premiação e criticou a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela escolha. E, enquanto outros artistas americanos aderiram ao boicote, como Jada Pinkett-Smith e Will Smith(clique aqui), na última semana a hashtag "#OscarSoWhite", que já havia aparecido no Oscar 2015, voltou aos Trending Topics do Twitter.  No Brasil, nos últimos tempos, o assunto racismo envolveu episódios polêmicos no mundo das artes, como as ofensas sofridas pela atriz Taís Araújo (clique aqui) e, recentemente, pelo chef e apresentador Olivier Anquier, ao aparecer com a esposa, que é negra, em episódios do seu programa “Diário de Olivier”, exibido no GNT. E na Bahia, estado onde a cultura afrobrasileira tem fortes raízes, até mesmo peças publicitárias institucionais de cidades predominantemente negras estiveram envolvidas em polêmicas desta natureza. Enquanto uma empresa de turismo veiculou um vídeo com predominância de pessoas brancas para promover Salvador(clique aqui), a prefeitura de Santo Amaro da Purificação foi acusada de racismo, após publicar uma foto onde havia apenas brancos, para promover a festa da padroeira da cidade (clique aqui).

Visto que nem mesmo o estado considerado mais negro do país escapa do racismo, artistas baianos repercutiram a ausência de atores negros no Oscar e comentaram também a situação no Brasil. Para o ator e dramaturgo baiano Aldri Anunciação, autor de "Namíbia, Não!", cujo texto é vencedor dos prêmios Braskem de Teatro e Jabuti, e aborda o racismo no Brasil, a polêmica hollywoodiada é “uma questão muito delicada”. Ele, que aderiu à campanha de Spike Lee, afirmou que embora não veja a necessidade de reserva de cotas de etnias entre indicados, é preciso que os organizadores enxerguem o trabalho dos negros sem limitá-los a uma única temática. “A ausência dos negros, principalmente agora no Oscar, ao longo desses dois anos, Spike Lee é bem preciso. Dos 40 atores indicados, nenhum é negro. Eu desconfio muito dessa ausência de mérito dos trabalhos dos atores afroamericanos. Por exemplo o Will Smith, com um trabalho bastante contundente lá, que foi indicado ao Globo de Ouro, e se você for a fundo vai descobrir diversos outros trabalhos que provavelmente têm méritos que favoreçam uma indicação”, diz Aldri, analisando ainda o contexto para o reconhecimento dos negros no cinema. “Eu acho que isso tudo está mais ligado a uma questão temática. Se a gente for reparar, a última vez que a gente teve um número expressivo de negros premiados, não só indicados, no Oscar, foi quando a temática da escravidão estava ali narrada no filme, em '12 Anos de Escravidão'. Você teve roteiro, atriz, filme do ano premiado. Na época fiquei muito feliz, mas também de outro aberto pensando. Se fosse uma outra temática com aquelas mesmas qualidades de profissionais eles teriam indicado e premiado?”, questiona. “Então eu acho que essa não indicação é muito menos sinalização de que existe discriminação com atores negros, mas muito mais discriminação temática, como se quisesse colocar o artista negro em um espaço determinado e cercado”, conclui Anunciação. A diretora teatral Fernanda Júlia, do Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas, decidiu citar uma fala de Viola Davis ao vencer o Emy de Melhor Atriz em 2015 por “How to Get Away With Murder”. “Ela [Viola] questiona que não haveria como ganhar prêmio de melhor atriz se não existissem os personagens feitos para que atrizes negras como ela pudessem fazer. Enquanto autores e diretores não criarem personagens, ela não vai poder fazer. Então eu acho que essa ausência de negros traduz o que significa o Oscar. A Academia tem um padrão de pensamento hegemônico onde eles invisibilizam o que é impossível de invisibilizar, que é a qualidade e o trabalho desses artistas negros. Quando não há negros atuando eles acusam esse tipo de coisa e quando nós atuamos eles ignoram. Isso é uma tentativa sistemática, institucional, esse racismo que a gente vive, de negar a qualidade do povo negro através de suas expressões, sejam elas culturais, artísticas, científicas, econômicas. Para mim a ausência da gente no Oscar é mais uma comprovação desta tentativa estúpida de de dizer que o mundo é branco e ignorar nossa presença. Chega a ser ridículo e patético, mas o Oscar é a maior instituição no sentido de premiação do cinema mundial, mas tem um pensamento conservador da sociedade norte-americana, então eles traduzem o comportamento que eles têm”, avalia Fernanda Júlia, apontando ainda que no Brasil acontece uma espécie de reflexo do comportamento norte-americano. “À base de muita luta e esforço você consegue alguns espaços, mas pensando em premiação no Brasil, quem você vê apontado na sua grande maioria no cenário cinematográfico brasileiro, que atores são esses? Se você olhar a proporção, você vai ver que a maioria é formada de atores brancos ainda. O cinema brasileiro ainda é muito branco, do ponto de visto da presença, do ponto de vista da temática, de quem são as histórias, e do ponto de vista dos personagens. De 2000 para cá, eu não listaria do cenário brasileiro 15 atores negros que tiveram trabalho de repercussão reconhecido no cenário do cinema nacional”, conclui. À frente da animação “Órum Aiyè”, que também sofreu preconceito pela temática voltada para a mitologia afrobrasileira (clique aqui), a diretora de cinema baiana Jamile Coelho também criticou a baixa representatividade do negro no Oscar. “É o segundo ano consecutivo que Academia faz isso. Teve  quatro filmes com atores negros que poderiam ser indicados, mas isso mostra o quão Hollywood ainda traz essa ideia de racismo. Eles podem dizer que não há produções com atores negros, mas teve sim filmes com protagonistas e coadjuvantes negros. A Academia serve para legitimar essa ideia de supremacia branca”, avalia Jamile, que aponta como positivos os protestos de artistas e anônimos que não se sentem representados. “Hoje há esse boicote, e quando a gente não se sente representado no Oscar, a nossa forma de se expressar é através das redes. Com as hashtags que todo mundo tem usado para criticar, é uma forma de tentar ser ouvido”, diz a cineasta baiana, destacando que também no Brasil o artista negro é relegado. “Recentemente um ator negro, Antônio Pompêo, morreu. Toda vez que morre um artista global há homenagens, filmes são exibidos, mas ele não foi lembrado. Você percebe o quão legitimada é a ideia do racismo no Brasil hoje. Somos 50% da população e não somos representados”, afirma Jamile Coelho.


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